Quando olhamos para os Dez Mandamentos à luz do Novo
Testamento, percebemos que eles não foram anulados, mas reafirmados em sua
essência espiritual por Cristo e pelos apóstolos. O Senhor Jesus, ao ser
questionado sobre qual seria o maior mandamento, resumiu toda a Lei em duas
direções inseparáveis: amar a Deus de todo o coração, alma e entendimento, e
amar ao próximo como a si mesmo (Mt 22.37–40). Nesse resumo, Ele não apenas
cita Deuteronômio 6.5, mas também coloca o amor como a raiz de toda obediência.
O apóstolo Paulo segue no mesmo caminho, afirmando que “o cumprimento da lei é
o amor” (Rm 13.10), mostrando que cada mandamento, seja no dever para com Deus
ou no dever para com o próximo, continua válido como expressão da vida cristã.
O Novo Testamento, portanto, não repete a Lei apenas como letra, mas a
apresenta como norma viva e permanente, gravada no coração dos redimidos pelo
Espírito (Hb 8.10), e que não pode ser deixada só, mas que o Espírito presente
na vida do verdadeiro crente vivifica. (2 Co 3.6).
Não ver isso no NT é muita infantilidade e falta de
conhecimento. Em uma conhecida passagem Jesus menciona, no próprio linguajar do
texto: “DOIS GRANDES MANDAMENTOS”. Alguns entendem que, com estas palavras,
Jesus não ratificou os Dez Mandamentos. Pois bem, vejamos o texto.
"Respondeu-lhe Jesus: Amarás
o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu
entendimento. 38 Este é o grande e primeiro mandamento. 39 O segundo,
semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. 40 Destes dois
mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas." (Mateus 22:37-40). De
uma forma clara, Jesus afirma que Toda a Lei vem destes dois mandamentos. Ele diz:
"TODA A LEI DEPENDE... DESSES DOIS MANDAMENTOS" O que Cristo fez
aqui? Cristo faz um resumo, uma síntese de toda a Lei expressa nos Dez
mandamentos. Mas, se bem que, Ele mesmo, não é o autor dessa ideia. Ela já
estava expressa na própria exposiçao dos Dez Mandamentos no AT.
Mas, antes de mostrar o texto da fala
de Cristo no AT, vamos entender o motivo pelo qual Ele afirmou de que TODA A
LEI DEPENDE...DESSES DOIS MANDAMENTOS. Uma forma fácil de entender essa questão
é se perguntar: De que forma se pode amar a Deus acima de todas as coisas? A
forma é nos voltarmos aos Dez mandamentos e ver a relação entre os DOIS GRANDES
MANDAMENTOS e o motivo pelo qual TODA A LEI depende deles. Ao vislumbramos do 5º
ao 10º Mandamento vemos claramente que são ações que mostram, na prática, como
obedecer ao Grande Mandamento em relação ao próximo, nos mostram como "...amar
ao próximo como a ti mesmo..." Todos esses mandamentos dizem respeito acerca
de nossa relação com o próximo. E, relativamente ao que Ele afirma sobre AMAR A
DEUS ACIMA DE TODAS AS COISAS, apontam diretamente para a prática do 1º ao 4º Mandamento. Não enxergar
isso, não se trata nem de miopia espiritual... é falta de leitura mesmo, é
analfabetismo funcional que nao consegue ler além da letra, ou pior, é desonestidade
intelectual.
Ainda
assim, vamos desconsiderar esta prova nítida. Vamos olhar o contexto das
palavras de Jesus. Estas palavras de Jesus não foram originais Dele, mas foram repetições
das Palavras de Moises. Então, vamos ao contexto do AT para ver onde as
palavras de Moises se encontram no contexto dos capítulos 5 e 6 de
Deuteronômio.
Pois
bem, no capítulo 5, Moisés repete literalmente os Dez Mandamentos, sem exceção.
Nos versículos 1 a 3 Moisés faz várias advertências acerca do cumprimento da
Lei. Dentre as exortações ele aponta que os Mandamentos foram dados a fim de que
“...temas ao SENHOR, teu Deus, e guardes todos os seus estatutos e
mandamentos que eu te ordeno, tu, e teu filho, e o filho de teu filho, todos os
dias da tua vida; e que teus dias sejam prolongados. (Deuteronômio 6:2). E faz
apontamentos históricos de como se deu a entrega desses Mandamentos.
Dos
versículos 6 ao 20 Moisés, LITERALMENTE, repete cada um dos Dez Mandamentos,
sem exceção. E, dos versículos 21 ao final do capítulo 5, ele faz outros
apontamentos históricos das circunstâncias ocorridas no evento da entrega dos Dez
Mandamentos e várias outras advertências sobre o não cumprir e o cumprir com suas
consequências decorrentes de cada ação. Lembrando aqui que, dentre os objetivos
dos Dez Mandamentos, segundo as próprias palavras de Moisés, é para que o povo
de Deus aprendesse a “...temer ao Senhor”
Ao
iniciar o capítulo 6 Moisés fala que, esses mesmos Mandamentos deveriam ser
ensinados ao povo e, aponta o “...temor ao Senhor...” (6.2) como sendo
um dos objetivos. E, ao chegar no versículo 5, aqui encontramos, exatamente a
expressão usada por Jesus. “Amarás, pois, o SENHOR, teu Deus, de todo o teu
coração, de toda a tua alma e de toda a tua força. Estas palavras que, hoje, te
ordeno estarão no teu coração;” (Deuteronômio 6:5-6). Aqui não encontramos
as palavras usadas por Cristo do Segundo Grande Mandamento em relação ao
próximo e o motivo é simples. É daquilo que vemos João tratar em sua carta. Ele
diz: “Se alguém disser: Amo a Deus, e odiar a seu irmão, é mentiroso; pois
aquele que não ama a seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê.
Ora, temos, da parte dele, este mandamento: que aquele que ama a Deus ame
também a seu irmão.” Necessariamente, Joao está afirmando: Quem, de fato, ama a Deus (de todo teu coração,
alma e força – do Primeiro ao Quarto Mandamento), necessariamente há de “amar
ao seu próximo como a si mesmo” (Do Quinto ao Décimo Mandamento). A condição de
amar ao próximo, está inteiramente atrelada ao amor a Deus. Portanto, se nao amo
ao próximo (do 6º ao 10º), necessariamente prova que não amo a Deus. (do 1º ao
4º).
Jesus
fez questão de mostrar essa decorrência do amor ao próximo em relação ao amor a
Deus justamente pelo fato de, os fariseus, não levarem isso em consideração. A
parábola do Bom Samaritano mostra isso claramente. Ao ouvirem que um samaritano
cumpriu a Lei de Deus, se viram furiosos, pois não consideravam um samaritano
nem mesmo como pessoas dignas de ouvirem a Palavra de Deus, mas os consideravam
como “cães”, tamanho era o ódio que eles nutriam contra eles. Justamente foi um deles que questionou a Jesus
“E um deles, intérprete da Lei, experimentando-o, lhe perguntou: Mestre,
qual é o grande mandamento na Lei?” Mateus 22:35-36. Veja que ele não questiona:
“Quais os Mandamentos”, mas questiona: “Qual o grande mandamento”, mostrando o
seu desprezo pelo próximo e não se importando com os mandamentos relativos ao
próximo.
De
igual modo, temos um exemplo inverso sobre alguém que guardava os mandamentos
relativos ao próximo, mas se esquecia, ou negligenciava os mandamentos
relativos a Deus. O jovem rico que se aproximou de Cristo e lhe questionou sobre
quais mandamentos deveria cumprir. Jesus lhe responde: “
“Sabes os mandamentos: Não
adulterarás, não matarás, não furtarás, não dirás falso testemunho, honra a teu
pai e a tua mãe. Replicou ele: Tudo isso tenho observado desde a minha
juventude” (Lucas 18:20-21). Veja que todos esses mandamentos citados, exemplarmente,
por Jesus são os mandamentos relativos ao próximo (do Quinto ao Décimo
Mandamento). Conhecendo o coração do jovem, então Jesus lhe responde: “Uma
coisa ainda te falta: vende tudo o que tens, dá-o aos pobres e terás um tesouro
nos céus; depois, vem e segue-me. Mas, ouvindo ele estas palavras, ficou muito
triste, porque era riquíssimo.” (Lucas 18:22-23). Neste ponto, Jesus toca
no problema daquele jovem. Apesar de ele ser um aplicado filho e pessoa de modo
a se relacionar bem com o próximo, pelo menos aparentemente, ele tinha um problema
apontado por Jesus: “E Jesus, vendo-o assim triste, disse: Quão dificilmente
entrarão no reino de Deus os que têm riquezas!” (Lucas 18:24).
O
problema não está no fato de ser rico ou pobre, nunca foi esta a questão. Nesse
mesmo ensino, o evangelista registrou um aspecto não mencionado por Lucas nessa
passagem. Apesar de que, ele o faz em outro texto. Vejamos ambos os textos.
·
“Ninguém pode servir a dois senhores; porque
ou há de aborrecer-se de um e amar ao outro, ou se devotará a um e desprezará
ao outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas.” (Mateus 6:24).
·
“Ninguém pode servir a dois senhores; porque
ou há de aborrecer-se de um e amar ao outro ou se devotará a um e desprezará ao
outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas.” (Lucas 16:13)
Tanto Mateus
quanto Lucas fazem uso de uma expressão em comum. Aliás, são literalmente iguais os versículos. Mas
quero dar destaque à uma expressão. “Ninguém pode servir a dois senhores”. “Servir”
é δουλευω douleuo que significa: ser
escravo, servir, prestar serviço.
O termo
empregado por Cristo, douleuō, não é neutro, nem meramente funcional. Ele
carrega a ideia de sujeição total, de vida entregue ao senhorio de alguém. Não
se trata apenas de uma atividade paralela, mas de um vínculo de identidade:
quem serve, pertence. É por isso que, nas Escrituras, “servir” está
intrinsecamente ligado ao ato de adorar.
No Antigo
Testamento, a linguagem da aliança já deixa isso claro. O preâmbulo dos Dez
Mandamentos apresenta Deus como o Libertador: “Eu sou o Senhor, teu Deus,
que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão” (Êx 20:2). Em seguida,
o chamado é para não ter outros deuses diante d’Ele, não fabricar ídolos, não
prostrar-se diante deles, nem lhes servir. O vocabulário usado não distingue
entre serviço secular e culto religioso: servir a outros deuses é idolatria,
enquanto servir a Deus é adoração.
A própria
palavra “liturgia” (leitourgia), tão presente no contexto da adoração,
significa literalmente “serviço público” ou “serviço prestado”. Ou seja, adorar
é servir, e servir é adorar. Não há como separar as duas esferas. Quando Jesus
afirma que ninguém pode servir a dois senhores, Ele está revelando que toda a
vida é litúrgica: ou a existência humana é um culto prestado a Deus, em
obediência e dependência, ou se torna um culto às riquezas, ao eu, ao mundo.
Portanto,
“servir” não se limita a atos externos, mas é uma postura cultual diante do
Senhor. O coração que serve a Deus o faz em amor, temor e reverência; o coração
que serve às riquezas, ainda que inconscientemente, dobra-se diante delas em
culto profano. O princípio revelado no Sinai ecoa no ensino de Cristo: só há um
Senhor digno de nossa liturgia, e o nome d’Ele é o Senhor, nosso Deus.
Esse “serviço”
que Jesus destaca encontra sua moldura no decálogo, como já demonstrei, mas
vamos ser mais claro. Os quatro primeiros mandamentos mostram, de modo
específico, como o homem deve servir a Deus em sua adoração. O primeiro ordena
exclusividade: “Não terás outros deuses diante de mim” (Êx 20:3). Servir,
aqui, é reconhecer apenas um Senhor, em aliança de fidelidade. O segundo proíbe
imagens e ídolos (Êx 20:4-6): o serviço verdadeiro não é inventado pela
imaginação humana, mas prestado conforme a vontade revelada de Deus. O terceiro
manda honrar o nome do Senhor (Êx 20:7): o serviço é reverente, tratando a
majestade divina com santidade. O quarto estabelece o sábado (Êx 20:8-11): o
serviço não é apenas culto formal, mas também descanso em Deus, separação de
tempo para Ele, reconhecimento de sua obra na criação e redenção. O destaque
aqui não é o sábado em si, mas o princípio do descanso de um dia a cada seis
trabalhados. Mas esse tema é para outro estudo.
Nos seis
mandamentos seguintes, o mesmo princípio de serviço se expande para a vida
prática. Honrar pai e mãe (Êx 20:12), não matar, não adulterar, não furtar, não
levantar falso testemunho e não cobiçar (Êx 20:13-17) são expressões concretas
de uma liturgia vivida no cotidiano. O serviço prestado a Deus não fica
restrito ao templo ou à assembleia do povo; ele transborda em amor e justiça
para com o próximo.
Como visto, Moisés
resume isso em Deuteronômio 6:5: “Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo
o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força.” Esse amor não é
meramente afetivo, mas envolve obediência, dedicação e lealdade; termos que
apontam para o mesmo caráter de serviço e culto. É por isso que, logo depois,
Moisés ordena que as palavras da Lei estejam no coração, sejam ensinadas aos
filhos, faladas em casa e no caminho, atadas às mãos e escritas nos umbrais da
casa (Dt 6:6-9). O “servir” não é episódico; é total, integral, abrange a vida
toda como culto contínuo ao Senhor.
O “servir” não
é episódico; é total, integral, abrange a vida toda como culto contínuo ao
Senhor. Mas é importante notar que, dentro desse culto permanente da vida, Deus
instituiu também um dia específico de culto comunitário, separado como
solenidade diante d’Ele. A Escritura o chama de “santo dia de descanso” (Êx
20:10), “santa convocação” (Lv 23:3), “reunião solene” (Ne 8:18), e no Novo
Testamento vemos a linguagem de “congregar” (Hb 10:25). Esse dia, no Antigo
Testamento, era o sábado; no Novo, vemos a igreja reunindo-se no “dia do
Senhor” (Ap 1:10), o primeiro dia da semana, tanto em memória da ressurreição
de Cristo, quanto decorrente do exemplo de Cristo e dos apóstolos que, na
prática deles, mudaram para o domingo.
Esse
ajuntamento solene não se opõe ao culto diário, mas é sua culminância. A vida
toda é liturgia, e o culto semanal é o momento em que a comunidade se reúne
para expressar, de forma corporativa e visível, a adoração que já deve pulsar
no coração todos os dias. Sem a vida de serviço contínuo, a reunião se torna mero
rito vazio; sem a reunião solene, a vida perde o ritmo sagrado que Deus
estabeleceu. A ordem bíblica une ambas as dimensões: o culto semanal é o
coroamento do serviço diário, e o serviço diário é a preparação para o culto
semanal.
Assim, do
Sinai até as palavras de Cristo, o fio é o mesmo: servir é adorar, e adorar é
viver em aliança exclusiva com Deus, segundo a sua Palavra, com o coração
inteiro e com a vida inteira. Desta maneira, o pecado do jovem rico era o
desprezo dele pelos primeiros Quatro Mandamentos.
Cristo, ao
resumir toda a Lei nos dois grandes mandamentos: amar a Deus sobre todas as
coisas e ao próximo como a si mesmo, não anulou a Lei moral expressa nos Dez
Mandamentos, mas a reafirmou em sua essência. Ele próprio declara: “Se me
amais, guardareis os meus mandamentos” (Jo 14:15). Guardar os mandamentos
não é meio de salvação, mas resposta de amor à salvação já recebida.
Nem o Novo
Testamento, nem o Antigo apresentam a obediência como um caminho para alcançar
a vida eterna, mas como fruto de um coração transformado pela graça. A Graça já
era conhecida e buscada no AT. Como Davi, mesmo no AT vivendo debaixo da Lei,
reconhecia isso e ressalta: “Volta-te, SENHOR, e livra a minha alma;
salva-me por tua graça.” (Salmos 6:4). Davi já vislumbrava e cria na obra
do Messias que haveria de vir. Assim, também o crente, liberto da condenação da
Lei pela obra de Cristo, passa a enxergar nela não um fardo, mas a régua santa
que mostra como viver para agradar ao seu Senhor. A obediência é, portanto,
expressão de gratidão e culto, resultado do novo nascimento e da união com
Cristo.
Assim, o serviço
a Deus, revelado nos Dez Mandamentos e reiterado por Jesus, é uma vida de
adoração que se estende a todas as esferas; na relação com Deus (mandamentos
1–4) e com o próximo (mandamentos 5–10). Essa vida cultual tem seu ápice
semanal no ajuntamento do povo de Deus, mas se mantém em cada gesto do
cotidiano. A Lei não salva, mas conduz o salvo a viver em santidade;
não gera a vida, mas regula a vida daqueles que já foram vivificados.
Portanto, quem
ama verdadeiramente a Cristo não despreza a Lei, mas nela vê o reflexo do
caráter santo de Deus e a regra de gratidão pela graça recebida.
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