terça-feira, 16 de setembro de 2025

SERVIÇO TOTAL: O AMOR QUE CUMPRE A LEI

 

    Quando olhamos para os Dez Mandamentos à luz do Novo Testamento, percebemos que eles não foram anulados, mas reafirmados em sua essência espiritual por Cristo e pelos apóstolos. O Senhor Jesus, ao ser questionado sobre qual seria o maior mandamento, resumiu toda a Lei em duas direções inseparáveis: amar a Deus de todo o coração, alma e entendimento, e amar ao próximo como a si mesmo (Mt 22.37–40). Nesse resumo, Ele não apenas cita Deuteronômio 6.5, mas também coloca o amor como a raiz de toda obediência. O apóstolo Paulo segue no mesmo caminho, afirmando que “o cumprimento da lei é o amor” (Rm 13.10), mostrando que cada mandamento, seja no dever para com Deus ou no dever para com o próximo, continua válido como expressão da vida cristã. O Novo Testamento, portanto, não repete a Lei apenas como letra, mas a apresenta como norma viva e permanente, gravada no coração dos redimidos pelo Espírito (Hb 8.10), e que não pode ser deixada só, mas que o Espírito presente na vida do verdadeiro crente vivifica. (2 Co 3.6).

    Não ver isso no NT é muita infantilidade e falta de conhecimento. Em uma conhecida passagem Jesus menciona, no próprio linguajar do texto: “DOIS GRANDES MANDAMENTOS”. Alguns entendem que, com estas palavras, Jesus não ratificou os Dez Mandamentos. Pois bem, vejamos o texto.

    "Respondeu-lhe Jesus: Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. 38 Este é o grande e primeiro mandamento. 39 O segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. 40 Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas." (Mateus 22:37-40). De uma forma clara, Jesus afirma que Toda a Lei vem destes dois mandamentos. Ele diz: "TODA A LEI DEPENDE... DESSES DOIS MANDAMENTOS" O que Cristo fez aqui? Cristo faz um resumo, uma síntese de toda a Lei expressa nos Dez mandamentos. Mas, se bem que, Ele mesmo, não é o autor dessa ideia. Ela já estava expressa na própria exposiçao dos Dez Mandamentos no AT.

        Mas, antes de mostrar o texto da fala de Cristo no AT, vamos entender o motivo pelo qual Ele afirmou de que TODA A LEI DEPENDE...DESSES DOIS MANDAMENTOS. Uma forma fácil de entender essa questão é se perguntar: De que forma se pode amar a Deus acima de todas as coisas? A forma é nos voltarmos aos Dez mandamentos e ver a relação entre os DOIS GRANDES MANDAMENTOS e o motivo pelo qual TODA A LEI depende deles. Ao vislumbramos do 5º ao 10º Mandamento vemos claramente que são ações que mostram, na prática, como obedecer ao Grande Mandamento em relação ao próximo, nos mostram como "...amar ao próximo como a ti mesmo..." Todos esses mandamentos dizem respeito acerca de nossa relação com o próximo. E, relativamente ao que Ele afirma sobre AMAR A DEUS ACIMA DE TODAS AS COISAS, apontam diretamente para a prática do 1º ao 4º Mandamento. Não enxergar isso, não se trata nem de miopia espiritual... é falta de leitura mesmo, é analfabetismo funcional que nao consegue ler além da letra, ou pior, é desonestidade intelectual. 

       Ainda assim, vamos desconsiderar esta prova nítida. Vamos olhar o contexto das palavras de Jesus. Estas palavras de Jesus não foram originais Dele, mas foram repetições das Palavras de Moises. Então, vamos ao contexto do AT para ver onde as palavras de Moises se encontram no contexto dos capítulos 5 e 6 de Deuteronômio.

        Pois bem, no capítulo 5, Moisés repete literalmente os Dez Mandamentos, sem exceção. Nos versículos 1 a 3 Moisés faz várias advertências acerca do cumprimento da Lei. Dentre as exortações ele aponta que os Mandamentos foram dados a fim de que “...temas ao SENHOR, teu Deus, e guardes todos os seus estatutos e mandamentos que eu te ordeno, tu, e teu filho, e o filho de teu filho, todos os dias da tua vida; e que teus dias sejam prolongados. (Deuteronômio 6:2). E faz apontamentos históricos de como se deu a entrega desses Mandamentos.

       Dos versículos 6 ao 20 Moisés, LITERALMENTE, repete cada um dos Dez Mandamentos, sem exceção. E, dos versículos 21 ao final do capítulo 5, ele faz outros apontamentos históricos das circunstâncias ocorridas no evento da entrega dos Dez Mandamentos e várias outras advertências sobre o não cumprir e o cumprir com suas consequências decorrentes de cada ação. Lembrando aqui que, dentre os objetivos dos Dez Mandamentos, segundo as próprias palavras de Moisés, é para que o povo de Deus aprendesse a “...temer ao Senhor”

       Ao iniciar o capítulo 6 Moisés fala que, esses mesmos Mandamentos deveriam ser ensinados ao povo e, aponta o “...temor ao Senhor...” (6.2) como sendo um dos objetivos. E, ao chegar no versículo 5, aqui encontramos, exatamente a expressão usada por Jesus. “Amarás, pois, o SENHOR, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força. Estas palavras que, hoje, te ordeno estarão no teu coração;” (Deuteronômio 6:5-6). Aqui não encontramos as palavras usadas por Cristo do Segundo Grande Mandamento em relação ao próximo e o motivo é simples. É daquilo que vemos João tratar em sua carta. Ele diz: “Se alguém disser: Amo a Deus, e odiar a seu irmão, é mentiroso; pois aquele que não ama a seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê. Ora, temos, da parte dele, este mandamento: que aquele que ama a Deus ame também a seu irmão.” Necessariamente, Joao está afirmando:  Quem, de fato, ama a Deus (de todo teu coração, alma e força – do Primeiro ao Quarto Mandamento), necessariamente há de “amar ao seu próximo como a si mesmo” (Do Quinto ao Décimo Mandamento). A condição de amar ao próximo, está inteiramente atrelada ao amor a Deus. Portanto, se nao amo ao próximo (do 6º ao 10º), necessariamente prova que não amo a Deus. (do 1º ao 4º).

       Jesus fez questão de mostrar essa decorrência do amor ao próximo em relação ao amor a Deus justamente pelo fato de, os fariseus, não levarem isso em consideração. A parábola do Bom Samaritano mostra isso claramente. Ao ouvirem que um samaritano cumpriu a Lei de Deus, se viram furiosos, pois não consideravam um samaritano nem mesmo como pessoas dignas de ouvirem a Palavra de Deus, mas os consideravam como “cães”, tamanho era o ódio que eles nutriam contra eles.  Justamente foi um deles que questionou a Jesus “E um deles, intérprete da Lei, experimentando-o, lhe perguntou: Mestre, qual é o grande mandamento na Lei?” Mateus 22:35-36. Veja que ele não questiona: “Quais os Mandamentos”, mas questiona: “Qual o grande mandamento”, mostrando o seu desprezo pelo próximo e não se importando com os mandamentos relativos ao próximo.

        De igual modo, temos um exemplo inverso sobre alguém que guardava os mandamentos relativos ao próximo, mas se esquecia, ou negligenciava os mandamentos relativos a Deus. O jovem rico que se aproximou de Cristo e lhe questionou sobre quais mandamentos deveria cumprir. Jesus lhe responde: “

“Sabes os mandamentos: Não adulterarás, não matarás, não furtarás, não dirás falso testemunho, honra a teu pai e a tua mãe. Replicou ele: Tudo isso tenho observado desde a minha juventude” (Lucas 18:20-21). Veja que todos esses mandamentos citados, exemplarmente, por Jesus são os mandamentos relativos ao próximo (do Quinto ao Décimo Mandamento). Conhecendo o coração do jovem, então Jesus lhe responde: “Uma coisa ainda te falta: vende tudo o que tens, dá-o aos pobres e terás um tesouro nos céus; depois, vem e segue-me. Mas, ouvindo ele estas palavras, ficou muito triste, porque era riquíssimo.” (Lucas 18:22-23). Neste ponto, Jesus toca no problema daquele jovem. Apesar de ele ser um aplicado filho e pessoa de modo a se relacionar bem com o próximo, pelo menos aparentemente, ele tinha um problema apontado por Jesus: “E Jesus, vendo-o assim triste, disse: Quão dificilmente entrarão no reino de Deus os que têm riquezas!” (Lucas 18:24).

         O problema não está no fato de ser rico ou pobre, nunca foi esta a questão. Nesse mesmo ensino, o evangelista registrou um aspecto não mencionado por Lucas nessa passagem. Apesar de que, ele o faz em outro texto. Vejamos ambos os textos.

·        Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um e amar ao outro, ou se devotará a um e desprezará ao outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas.” (Mateus 6:24).

·        Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um e amar ao outro ou se devotará a um e desprezará ao outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas.” (Lucas 16:13)

Tanto Mateus quanto Lucas fazem uso de uma expressão em comum.  Aliás, são literalmente iguais os versículos. Mas quero dar destaque à uma expressão. “Ninguém pode servir a dois senhores”. “Servir” é δουλευω douleuo que significa:  ser escravo, servir, prestar serviço.

O termo empregado por Cristo, douleuō, não é neutro, nem meramente funcional. Ele carrega a ideia de sujeição total, de vida entregue ao senhorio de alguém. Não se trata apenas de uma atividade paralela, mas de um vínculo de identidade: quem serve, pertence. É por isso que, nas Escrituras, “servir” está intrinsecamente ligado ao ato de adorar.

No Antigo Testamento, a linguagem da aliança já deixa isso claro. O preâmbulo dos Dez Mandamentos apresenta Deus como o Libertador: “Eu sou o Senhor, teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão” (Êx 20:2). Em seguida, o chamado é para não ter outros deuses diante d’Ele, não fabricar ídolos, não prostrar-se diante deles, nem lhes servir. O vocabulário usado não distingue entre serviço secular e culto religioso: servir a outros deuses é idolatria, enquanto servir a Deus é adoração.

A própria palavra “liturgia” (leitourgia), tão presente no contexto da adoração, significa literalmente “serviço público” ou “serviço prestado”. Ou seja, adorar é servir, e servir é adorar. Não há como separar as duas esferas. Quando Jesus afirma que ninguém pode servir a dois senhores, Ele está revelando que toda a vida é litúrgica: ou a existência humana é um culto prestado a Deus, em obediência e dependência, ou se torna um culto às riquezas, ao eu, ao mundo.

Portanto, “servir” não se limita a atos externos, mas é uma postura cultual diante do Senhor. O coração que serve a Deus o faz em amor, temor e reverência; o coração que serve às riquezas, ainda que inconscientemente, dobra-se diante delas em culto profano. O princípio revelado no Sinai ecoa no ensino de Cristo: só há um Senhor digno de nossa liturgia, e o nome d’Ele é o Senhor, nosso Deus.

Esse “serviço” que Jesus destaca encontra sua moldura no decálogo, como já demonstrei, mas vamos ser mais claro. Os quatro primeiros mandamentos mostram, de modo específico, como o homem deve servir a Deus em sua adoração. O primeiro ordena exclusividade: “Não terás outros deuses diante de mim” (Êx 20:3). Servir, aqui, é reconhecer apenas um Senhor, em aliança de fidelidade. O segundo proíbe imagens e ídolos (Êx 20:4-6): o serviço verdadeiro não é inventado pela imaginação humana, mas prestado conforme a vontade revelada de Deus. O terceiro manda honrar o nome do Senhor (Êx 20:7): o serviço é reverente, tratando a majestade divina com santidade. O quarto estabelece o sábado (Êx 20:8-11): o serviço não é apenas culto formal, mas também descanso em Deus, separação de tempo para Ele, reconhecimento de sua obra na criação e redenção. O destaque aqui não é o sábado em si, mas o princípio do descanso de um dia a cada seis trabalhados. Mas esse tema é para outro estudo.

Nos seis mandamentos seguintes, o mesmo princípio de serviço se expande para a vida prática. Honrar pai e mãe (Êx 20:12), não matar, não adulterar, não furtar, não levantar falso testemunho e não cobiçar (Êx 20:13-17) são expressões concretas de uma liturgia vivida no cotidiano. O serviço prestado a Deus não fica restrito ao templo ou à assembleia do povo; ele transborda em amor e justiça para com o próximo.

Como visto, Moisés resume isso em Deuteronômio 6:5: “Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força.” Esse amor não é meramente afetivo, mas envolve obediência, dedicação e lealdade; termos que apontam para o mesmo caráter de serviço e culto. É por isso que, logo depois, Moisés ordena que as palavras da Lei estejam no coração, sejam ensinadas aos filhos, faladas em casa e no caminho, atadas às mãos e escritas nos umbrais da casa (Dt 6:6-9). O “servir” não é episódico; é total, integral, abrange a vida toda como culto contínuo ao Senhor.

O “servir” não é episódico; é total, integral, abrange a vida toda como culto contínuo ao Senhor. Mas é importante notar que, dentro desse culto permanente da vida, Deus instituiu também um dia específico de culto comunitário, separado como solenidade diante d’Ele. A Escritura o chama de “santo dia de descanso” (Êx 20:10), “santa convocação” (Lv 23:3), “reunião solene” (Ne 8:18), e no Novo Testamento vemos a linguagem de “congregar” (Hb 10:25). Esse dia, no Antigo Testamento, era o sábado; no Novo, vemos a igreja reunindo-se no “dia do Senhor” (Ap 1:10), o primeiro dia da semana, tanto em memória da ressurreição de Cristo, quanto decorrente do exemplo de Cristo e dos apóstolos que, na prática deles, mudaram para o domingo.

Esse ajuntamento solene não se opõe ao culto diário, mas é sua culminância. A vida toda é liturgia, e o culto semanal é o momento em que a comunidade se reúne para expressar, de forma corporativa e visível, a adoração que já deve pulsar no coração todos os dias. Sem a vida de serviço contínuo, a reunião se torna mero rito vazio; sem a reunião solene, a vida perde o ritmo sagrado que Deus estabeleceu. A ordem bíblica une ambas as dimensões: o culto semanal é o coroamento do serviço diário, e o serviço diário é a preparação para o culto semanal.

Assim, do Sinai até as palavras de Cristo, o fio é o mesmo: servir é adorar, e adorar é viver em aliança exclusiva com Deus, segundo a sua Palavra, com o coração inteiro e com a vida inteira. Desta maneira, o pecado do jovem rico era o desprezo dele pelos primeiros Quatro Mandamentos.

Cristo, ao resumir toda a Lei nos dois grandes mandamentos: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo, não anulou a Lei moral expressa nos Dez Mandamentos, mas a reafirmou em sua essência. Ele próprio declara: “Se me amais, guardareis os meus mandamentos” (Jo 14:15). Guardar os mandamentos não é meio de salvação, mas resposta de amor à salvação já recebida.

Nem o Novo Testamento, nem o Antigo apresentam a obediência como um caminho para alcançar a vida eterna, mas como fruto de um coração transformado pela graça. A Graça já era conhecida e buscada no AT. Como Davi, mesmo no AT vivendo debaixo da Lei, reconhecia isso e ressalta: “Volta-te, SENHOR, e livra a minha alma; salva-me por tua graça.” (Salmos 6:4). Davi já vislumbrava e cria na obra do Messias que haveria de vir. Assim, também o crente, liberto da condenação da Lei pela obra de Cristo, passa a enxergar nela não um fardo, mas a régua santa que mostra como viver para agradar ao seu Senhor. A obediência é, portanto, expressão de gratidão e culto, resultado do novo nascimento e da união com Cristo.

Assim, o serviço a Deus, revelado nos Dez Mandamentos e reiterado por Jesus, é uma vida de adoração que se estende a todas as esferas; na relação com Deus (mandamentos 1–4) e com o próximo (mandamentos 5–10). Essa vida cultual tem seu ápice semanal no ajuntamento do povo de Deus, mas se mantém em cada gesto do cotidiano. A Lei não salva, mas conduz o salvo a viver em santidade; não gera a vida, mas regula a vida daqueles que já foram vivificados.

Portanto, quem ama verdadeiramente a Cristo não despreza a Lei, mas nela vê o reflexo do caráter santo de Deus e a regra de gratidão pela graça recebida.

 

 

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