domingo, 19 de outubro de 2025

Paulo e a Lei na carta aos Gálatas

 O texto que se segue é uma resposta à uma mensagem postada em um grupo de whatsapp. Este grupo possui, dentre seus membros, desigrejados que desprezam a Lei a todo e qualquer custo sem diferenciar seus aspectos. Usaram a passagem onde Paulo usa, como figura, Hagar e Sara,  como "prova" do seu pensamento de Graça x Lei. De que a Lei foi COMPLETAMENTE ABOLIDA e de que nos resta apenas a graça. 

Segue a resposta. 


Ops... A figura de escrava x livre é uma figura que Paulo faz uso para exemplificar a Lei. Mas que Lei? A de Moisés? A que veio séculos mais tarde após Abraão? 

A lei expressa é a lei, genericamente falando? Ou se trata de uma lei específica em aspectos específicos para fins específicos? Essas nuances da Lei não podem ser ignoradas. Há nitidez expressa na descrição dessas nuances da Lei, mesmo que não houvessem termos técnicos na época para diferenciá-las. É justamente aí que recaiu o erro e o pecado dos fariseus pois, para eles, a lei era uma coisa só e tudo se aplicava civilmente e apenas à Israel como nação. Eles não enxergavam essas diferenças entre uma lei e outra, entre um aspecto e outro. Foi exatamente aí que Cristo lhes mostrou a essência do erro no texto das "sete antíteses" onde usa a expressão "ouvistes o que foi dito pelos antigos... Eu porém vos digo".  A ideia não é confronto com a Lei mas confronto com o entendimento parcial que os fariseus tinham da Lei, não discernindo nelas suas aplicações em três dimensões distintas. Jesus mostrou que a lei não tinha apenas de aplicação civil, era muito mais que isso, era espiritual também. É diante dessa mesma questão que Paulo não apenas fala no contexto de Gálatas 4, mas de TODA A CARTA. 


Paulo começa em 1.10 distoando em não ser escravo de homens mas "escravo de Cristo". Pergunto, escravo de Cristo, como assim? Ele não é livre? Servo, escravo não vive debaixo de um Senhor que possui suas regras e valores?  Bem, guarde essa pergunta. 

Ele ainda diz que esse status de servo de Cristo ele o recebeu por meio do evangelho revelado por Jesus 1.12.

Ele ainda fala de seu passado no judaísmo e de como era "zeloso na tradição de seus antepassados" TRADIÇÃO. V1.14.

Após isso, ele faz um relato histórico, inclusive afirmando que esteve com o APOSTOLO TIAGO, IRMAO DO SENHOR, o mesmo que escreveu a Epístola que leva seu nome. Aqui é um testemunho sobre a origem de Tiago, una isso ao que Paulo tbm diz na carta aos Efésios 2.20-21 falando do fundamento da igreja primitiva. 

Continuando com Gálatas. Nesse relato histórico, Paulo fala do constrangimento de Tito em ter de cumprir a Lei devido a falsos irmãos que procuravam um pretexto para lhes fazer mal. Mas que Lei? Que tipo de lei? Era um ritual, o da circuncisão. 

Paulo prossegue contando como os outros apóstolos lhe aceitaram como apóstolo.

Segue contando acerca da dissimulação de Pedro em determinada ocasião, por ele ter temido os judeus. É nesse episódio ele ratifica o que já era conhecido e ensinado desde o AT, de que ninguém, nunca foi, justificado por obras da Lei, nem no NT nem no AT. Por isso já exclamava o salmista: *Salmos 6:4 Volta-te, SENHOR, e livra a minha alma; salva-me por tua graça.*

E, nesse mesmo raciocínio segue até o final do capítulo 2.  

No capítulo 3 Paulo continua desenvolvendo seu raciocínio perante os Gálatas que estavam buscando aquilo que nem os crentes do AT criam, apenas os judeus insensatos como os fariseus que não enxergavam que a lei nunca se tratou de mera aparência. E de que a salvação SEMPRE foi pela graça. No AT, criam nos méritos do Messias que viria, no NT crendo nos méritos do Messias que já veio. AT e NT se unem com o foco nos méritos de Cristo. 

Aqui, Paulo começa usar Abraão como exemplo em 3.6 quando já, naquele tempo, o evangelho lhe foi anunciado. Ele creu antes que houvesse sido enviada a Lei Mosaica e isso "lhe foi imputado para a justiça". 

E no versículo 9, Paulo une todos os crentes como sendo aqueles que tivessem a mesma fé dele. 

Por isso a imprecação: *Gálatas 3:10 Todos quantos, pois, são das obras da lei estão debaixo de maldição; porque está escrito: Maldito todo aquele que não permanece em todas as coisas escritas no Livro da lei, para praticá-las.* Por isso nenhuma alma, em tempo algum, foi salva por ter praticado a lei, isso é e sempre foi impossível desde a queda em Gênesis. Por isso o salmista não cria que poderia cumprir a Lei na sua integralidade e ser salvo, antes cria somente na salvação pela graça. E, Paulo segue esse argumento até o vs 14, onde expõe que, desde antes da Lei, como Abraão, todos sempre foram salvos pela fé em Cristo. Por isso ele argumenta que a Lei vinda por Moisés não invalidou a promessa da graça, pelo "DESCENDENTE" que ele identificou como sendo Cristo. 

A partir desse ponto, 3.19, Paulo mostra para o que a Lei foi dada por meio de Moisés. Ele diz que a Lei foi "adicionada" que em seu significado quer dizer que ela foi JUNTADA em outra coisa como uma companhia devido ao pecado. Ou por causa do pecado. Por isso ele afirma ainda mais: *Galatas 3:21 É, porventura, a lei contrária às promessas de Deus? De modo nenhum! Porque, se fosse promulgada uma lei que pudesse dar vida, a justiça, na verdade, seria procedente de lei.* E de que promessas são essas que ele fala aqui? As mesmas que,  anteriormente, ele diz sobre a salvação pela graça por meio da de em Cristo, em 3.16. Mas, aqui ele mostra a razão da Lei entregue a Moisés da qual ele começou a dizer no versículo 19. *Galatas 3:22 Mas a Escritura encerrou tudo sob o pecado, para que, mediante a fé em Jesus Cristo, fosse a promessa concedida aos que crêem.* Paulo não está se referindo a uma condição apenas da igreja neo testamentária, ele fala desde a entrega da Lei por Moisés. Ele fala da Lei para deixar evidente que todos, em todo lugar e tempo desde a queda, estamos debaixo do pecado. E o que isso tem a ver com as leis que, na prática, só serviram à nação de Israel, como as leis de aplicações civis apenas, oud as leis de aplicações culticas daquele tempo como os rituais, sacrifícios e mediações humanas de perdão por meio de um sacerdote? Absolutamente NADA! 

 Então, Paulo mostra que, pelo fato de a Lei, não toda, (tira-se leis que se aplicavam especialmente à Israel enquanto nação e as leis que só foram aplicáveis com respeito ao culto daquele tempo) mas ele fala da Lei que mostra a realidade do pecado na vida do ser humano. Sobre esta lei, ele diz: *"Galatas 3:24 De maneira que a lei nos serviu de aio para nos conduzir a Cristo, a fim de que fôssemos justificados por fé."* Duas coisas. A primeira já era vista antes mesmo da promulgação da Lei por Moisés, a justificação sempre foi pela fé e pela fé somente. O apóstolo citou Abraão como exemplo disso. A graça é, não somente  anterior à Lei, mas a sobrepõe. E, sobrepor não é no sentido de anular, mas no sentido aplicado por Paulo *"nos serviu de aio...". Aio, é a palavra grega para PEDAGOGO, Que serve de guia, instrutor. A lei nos serviu de guia, professora, para nos conduzir a Cristo. Volto a frisar, Paulo não está falando de Lei no sentido amplo, genérico, incluindo rituais e ética civil, mas fala daquela que "encerrou... sob o pecado" mostrou o pecado, tornou  o pecado evidente. É disso que o mesmo apóstolo fala em Romanos7.  "...eu não teria conhecido o pecado se a Lei não tivera dito, não cobiçarás...". Conhecendo o que é e vendo, irrevogavelmente, o pecado na própria vida, não há escapatória, a Lei nos conduz à crer somente em Cristo para salvação... E nos faz ansiar como o salmista: "salva-me por tua graça". Por isso não permanecemos mais debaixo do peso condenatório da lei que expõe a culpa, justamente o que, aquele que não se ver livre dela, no juízo ouvirá: "apartai-vos de mim os que práticais a iniquidade". Ali não importará qual a posição, ou a própria falta de reconhecimento do pecado, a condenação é certa e muitos ali serão condenados tendo passado a vida toda sem reconhecer sua própria condição diante de Deus. Mas se espantarao, pois acharam que toda a vida estavam cultuando, profetizando, falando em línguas como se tais coisas fossem expressão do culto verdadeiro. 

Paulo continua e em 3.28 ele mostra algo que não tem nada a ver com igualitarismo sacerdotal ou de dons, mas fala que todos os que estão debaixo da cruz, igualmente serão salvos, não importa origem ou sexo. 

Então entre a figura, novamente, de Abraão no capítulo 4. E, retoma, novamente, a figura de servos, escravos e senhores que ele fez no início da carta. Ele mostra o aspecto impositivo da Lei através da figura do tutor. Mas, de novo? Da lei num aspecto universal, e atemporal ou daquelas leis com aplicabilidades distintas em um tempo e etinia específicas? Então, ele mostra que tendo vindo Cristo não se está mais debaixo da Lei como um escravo, mas que atingiu o status de filho. Na prática, como isso funciona? Por que somos filhos não existem regras? Não existem ordens? Tudo está liberado? Convenhamos, só os hipócritas como os fariseus acreditam numa coisa dessas. Pois, certamente, nenhum deles aceitaria um filho , literalmente, desregrado, ou seja , sem regras. Levando isso à figura da esposa da qual Paulo fiz ser uma figura da igreja. Qual esposo, em sua sã consciência, aceitaria uma noiva desmedida, desregrada, imprudente, despudorada? Certamente nenhum, Cristo como O SANTO, definitivamente também não. 

Voltando ao texto de Gálatas. Paulo ainda no início do capítulo 4 fala da transitoriedade da lei. Mas ele não fala de qualquer aspecto da lei, ele aplica um exemplo claro do que ele está dizendo. *Galatas 4:10 Guardais dias, e meses, e tempos, e anos.* Isso é um nítido exemplo da aplicabilidade cerimonial da Lei. Então, Paulo fala de sua condição de doença física e do amor que os Gálatas nutriam por ele. E o faz isso apelando aos seus primeiros leitores daquela carta, para que eles não dessem ouvidos àqueles que os pressionavam a voltar aos rudimentos, aos ritos, às cerimônias da lei. E é nesse contexto que Paulo passa a usar a figura de Sara e Hagar. A lei aqui foi exemplar e nítida em que a figura da escrava e da liberta foram usadas, das cerimônias, dos rituais. 


A bíblia distingue três aspectos da lei: 


* Ela é espiritual. Rom7:14 Porque bem sabemos que a lei é espiritual; eu, todavia, sou carnal, vendido à escravidão do pecado. E nesse contexto de Romanos Paulo usa como exemplo para representar a espiritualidade da a cobiça, que é parte do Decálogo. 

* A lei possui outro aspecto, é cerimonial. Numbers 9:14 Se um estrangeiro habitar entre vós e também celebrar a Páscoa ao SENHOR, segundo o estatuto da Páscoa e segundo o seu rito, assim a celebrará; um só estatuto haverá para vós outros, tanto para o estrangeiro como para o natural da terra. RITO é ritual, algo físico, palpável. Não se trata de algo espiritual como aquilo que Paulo aponta em Romanos. 

* Mas também possuía um aspecto civil. Um exemplo é *“Quem ferir alguém, de modo que este morra, certamente será morto. Porém, se não lhe armou cilada, mas Deus lho permitiu cair nas mãos, designarei um lugar para onde ele fugirá. Se alguém, porém, vier premeditadamente contra o seu próximo para matá-lo à traição, até mesmo do meu altar o tirarás, para que morra.”* 

(Êxodo 21:12–14)

É uma lei de Natureza civil: Trata-se de um caso jurídico, uma norma de direito penal e processual, que prevê distinção entre homicídio doloso e culposo, punição e direito de refúgio. Sua  aplicação era civil: Essa lei regulava o funcionamento da justiça entre cidadãos, e não o culto religioso ou uma cerimônia. 


Desta maneira, Paulo, em Gálatas, está mostrando que a escravidão da lei na qual era necessário um sacerdote entrar no Santo dos Santos a fim de obter perdão, ou de haver cerimônias e rituais que apontassem para Cristo, ou de haver regras teocráticas impostas a uma nação como lei civil, tais coisas não são próprias de uma igreja compostas por cidadãos de "todas as nações" é a promessa feita a Abraão: "... Em ti serão benditas todas as nações...". 

Paulo caminha para o desfecho. " Foi para a liberdade que Cristo vos chamou...". Liberdade de quê? Da lei que é espiritual e aponta o pecado, ou para a lei que restringia o culto, a adoração a uma nação? E novamente Paulo usa a figura da circuncisão, e o que é a circuncisão senão um outro  exemplo de lei ritual, cerimonial? Quem assim ouvisse aos judaizantes que infernizavam a igreja da Galácia, estariam abandonando a Cristo, "...da graça decaistes...".

 Mas Paulo não para nesse argumento que ele estende até o versículo 12. 

Ele trás peso ao argumento da liberdade cultica em Cristo e restringe a mesma liberdade da qual ele afirmou anteriormente dizendo: Galatians 5:13 A liberdade é limitada pelo amor

Porque vós, irmãos, fostes chamados à liberdade; porém não useis da liberdade para dar ocasião à carne; sede, antes, servos uns dos outros, pelo amor.... E conduz seu pensamento no relacionamento mostrando aquele mesmo aspecto em que Cristo resumiu a segunda parte do Decálogo, a aplicabilidade da lei , espiritual, no amor ao próximo, do quinto ao décimo mandamento, ele diz: *Galatas 5:14 Porque toda a lei se cumpre em um só preceito, a saber: Amarás o teu próximo como a ti mesmo.*

E exorta para que vivam uma vida santa, uma vida, de fato, espiritual, qdo afirma: *Galatas 5:16 Digo, porém: andai no Espírito e jamais satisfareis à concupiscência da carne.*

E o versículo 17 aponta para a prática da lei espiritual como fruto do espírito, ou seja, como resultado de uma vida que já nasceu de novo. Ele diz: 


*Galatas 5:17 Porque a carne milita contra o Espírito, e o Espírito, contra a carne, porque são opostos entre si; para que não façais o que, porventura, seja do vosso querer.* "Não façais o que seja... do vosso querer" traduz exatamente o pecado que habita no homem e ao invés dele ouvir a voz do Espírito, ele ouve a voz do próprio querer e torna a prática do pecado evidente em sua vida.

 Paulo toma aqui seu próprio argumento que ele usa na carta aos Romanos. Ele diz: *Galatad 5:18 Mas, se sois guiados pelo Espírito, não estais sob a lei.* Ele fala da lei, mas não fala da lei espiritual conforme o Decálogo, ele fala da "lei do pecado" "da Lei da carne" é exatamente o mesmo argumento que ele diz em *Romanos 7:21-23 Então, ao querer fazer o bem, encontro a lei de que o mal reside em mim. Porque, no tocante ao homem interior, tenho prazer na lei de Deus; mas vejo, nos meus membros, outra lei que, guerreando contra a lei da minha mente, me faz prisioneiro da lei do pecado que está nos meus membros.*


Por isso, em Gálatas o verso 19 ele já começa dizendo: "as obras da carne são...". E, aqui segue uma lista de exemplos de pecados  que estão na mesmíssima categoria do Decálogo e todos eles depreendem do Decálogo.

1º Mandamento — “Não terás outros deuses diante de mim.”

Relacionados: Idolatria, feitiçarias

Idolatria: adorar ou confiar em algo além de Deus.

Feitiçarias: tentativa de manipular o espiritual sem depender do Senhor, confiando em forças ou poderes estranhos a Deus

2º Mandamento — “Não farás para ti imagem de escultura...”

Relacionados: Idolatria, feitiçarias (práticas de culto pagão)

A idolatria frequentemente se manifesta por meio de imagens ou rituais proibidos.

A feitiçaria também envolve culto ilícito a falsos deuses.


3º Mandamento — “Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão.”

Relacionados: Feitiçarias, discórdias religiosas, facções (no contexto espiritual)

Feitiçarias e falsos cultos profanam o nome de Deus ao atribuir-lhe poderes ou intenções estranhas.

Facções religiosas também podem usar o nome de Deus em vão para justificar divisões.


4º Mandamento — “Lembra-te do dia de sábado para o santificar.”

Relacionados: Glutonarias, bebedices, dissoluções

O desprezo pelo descanso santo e pela adoração reverente reflete-se na entrega ao prazer carnal e à falta de moderação.

5º Mandamento — “Honra teu pai e tua mãe.”

Relacionados: Inimizades, discórdias, iras, porfias (contendas)

A quebra da autoridade e respeito começa no lar e se expressa em rebeldia e conflitos sociais.

Tais atitudes violam o princípio de honra e submissão ordenado por Deus.


6º Mandamento — “Não matarás.”

Relacionados: Inimizades, iras, dissensões, facções, invejas

Cristo ensinou que o ódio e a ira já são uma forma de assassinato do coração (Mt 5:21–22).

Invejas e dissensões são sementes do homicídio espiritual e moral.


7º Mandamento — “Não adulterarás.”

Relacionados: Prostituição, impureza, lascívia

Pecados de natureza sexual, contrários à pureza e fidelidade estabelecidas por Deus para o matrimônio.

Lascívia inclui toda conduta indecente e libertina.


8º Mandamento — “Não furtarás.”

Relacionados: Invejas, facções (busca egoísta de posse ou poder)

A inveja conduz ao desejo de tomar o que é do outro.

Facções e divisões frequentemente têm motivações de ganho, status ou controle indevido.


9º Mandamento — “Não dirás falso testemunho contra o teu próximo.”

Relacionados: Discórdias, porfias, facções

A mentira, a calúnia e o espírito de contenda distorcem a verdade e minam a comunhão.

Falsos testemunhos são causas diretas de divisões e brigas.


10º Mandamento — “Não cobiçarás...”

Relacionados: Invejas, ciúmes, glutonarias, bebedices

Cobiça é o desejo desordenado de possuir ou desfrutar o que pertence a outro.

Ciúmes e invejas são expressões diretas da cobiça interior.

Glutonaria e bebedice revelam cobiça pelos prazeres do corpo.


Mas ele apresenta um contraste mostrando o fruto do Espírito, que assim como o pecado, se expressa e se vêem na esfera PRÁTICA da vida.

Os que são de Cristo, negam a carne, negam praticar o pecado através de seus corpos pois sabem que a lei , como diz Paulo, é espiritual, pois ela mostra que a raiz do pecado que aflora n carne, é a raiz espiritual do mal que o homem passou a conhecer, na própria carne, qdo comeu do fruto em Gênesis. Por isso o resultado de sua queda espiritual naquele diz, sua morte espiritual, tem efeitos carnais, e dos quais todos somos herdeiros: "... Retornamos ao pó...".

Assim Paulo prossegue para as admoestações finais.


segunda-feira, 6 de outubro de 2025

Tiago e a Igreja Apostólica: uma refutação à leitura desigrejada da epístola

 

A epístola de Tiago tem sido, ao longo dos séculos, alvo de leituras distorcidas, especialmente entre aqueles que buscam justificar uma fé individualizada e desprovida de comunhão eclesiástica. Entre os desigrejados contemporâneos, um argumento recorrente consiste em afirmar que Tiago teria escrito sua carta não à Igreja do Novo Testamento, mas apenas “aos judeus”, com base na saudação inicial: “Tiago, servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo, às doze tribos que se encontram na Dispersão, saudações” (Tg 1.1).

Entretanto, uma análise histórico-gramatical séria revela que essa leitura é superficial e anacrônica. O contexto do Novo Testamento, a gramática do texto e o papel pastoral de Tiago no colégio apostólico demonstram que sua epístola é, de fato, dirigida à Igreja de Cristo; o novo Israel espiritual, formado por judeus e gentios regenerados em uma só fé.

1. A linguagem simbólica das “doze tribos”

O termo “as doze tribos da Dispersão” não é um limite étnico, mas uma metáfora teológica. Tiago utiliza a linguagem de Israel não como referência ao povo nacional, mas à Igreja como o Israel espiritual de Deus (Gl 6.16). Já não se trata da descendência de Abraão segundo a carne, mas dos “filhos da promessa” (Rm 9.8).

Essa apropriação do vocabulário veterotestamentário é recorrente no Novo Testamento. Pedro faz o mesmo ao escrever “aos eleitos que são forasteiros da Dispersão no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia” (1Pe 1.1), dirigindo-se a comunidades cristãs majoritariamente gentias. O apóstolo Paulo, por sua vez, aplica à Igreja expressões como “a circuncisão de Deus” (Fp 3.3) e “a descendência de Abraão” (Gl 3.29).

Tiago, portanto, escreve à Igreja universal sob o símbolo de Israel. A saudação inicial ecoa a linguagem profética que via o povo de Deus como “disperso”, aguardando o cumprimento da promessa messiânica. Em Cristo, esse novo Israel é reunido não geograficamente, mas espiritualmente, na comunhão do Espírito e na unidade da fé.

2. Tiago como relator e autoridade eclesiástica (Atos 15)

A hermenêutica reformada não interpreta Tiago isoladamente, mas o compreende à luz de sua função no colégio apostólico. Em Atos 15, ele aparece como relator do presbitério reunido em Jerusalém; o primeiro concílio da história da Igreja. A controvérsia girava em torno da inclusão dos gentios e da necessidade ou não da circuncisão mosaica.

Após ouvir os testemunhos de Pedro e Paulo, Tiago toma a palavra e declara:

“Irmãos, atentai nas minhas palavras... Julgo eu, pois, que não se deve perturbar aqueles que, dentre os gentios, se convertem a Deus” (At 15.13,19).

Essa expressão “julgo eu” (em grego krinō egō) não é mera opinião pessoal, mas a fórmula decisória de um presbítero que relata a resolução conciliar. Tiago fala como autoridade eclesiástica sob direção do Espírito Santo, não como um rabino independente. Sua conclusão é recebida por toda a assembleia e registrada como deliberação colegiada:

“Pareceu bem ao Espírito Santo e a nós” (At 15.28).

Tiago representa, portanto, o modelo neotestamentário de liderança eclesial; uma autoridade espiritual que atua em comunhão, com presbíteros e apóstolos, em busca do consenso sob o Espírito. O mesmo Tiago que escreve sobre “a oração dos presbíteros sobre os enfermos” (Tg 5.14) é o que fala em nome da Igreja reunida e ordenada.

A sua epístola, lida à luz de Atos 15, não é o eco de um misticismo individual, mas de uma fé comunitária, disciplinada e pastoral; uma fé que une doutrina e prática, graça e ética, comunhão e responsabilidade.

3. Convergência doutrinária entre Tiago, Paulo e Pedro

A teologia reformada reconhece plena harmonia entre Tiago, Paulo e Pedro. As aparentes diferenças se dissolvem diante de uma leitura contextual.

• Paulo enfatiza a justificação pela fé diante de Deus — a fé como raiz da salvação (Rm 3.28).

• Tiago enfatiza a justificação diante dos homens; a fé como fruto da regeneração (Tg 2.18).

• Pedro harmoniza ambas ao afirmar que “a vossa fé... é provada para resultar em louvor, glória e honra” (1Pe 1.7).

Todos falam, pois, de uma mesma fé viva, que se manifesta em obediência e amor.

A unidade entre Tiago e os demais apóstolos é atestada não apenas por suas cartas, mas pelos registros históricos. Em Gálatas 2.9, Paulo menciona Tiago ao lado de Pedro e João como uma das “colunas” da Igreja. A cooperação entre eles desmente qualquer leitura que tente isolar Tiago como uma figura judaica alheia à Igreja gentílica.

Assim, a epístola de Tiago não é um manifesto nacionalista, mas um tratado apostólico de vida cristã; escrito por quem serviu de ponte entre o antigo e o novo, entre a sinagoga e a Igreja, entre a Lei e o Evangelho.

4. O testemunho eclesiástico e pastoral de Tiago

Em sua carta, Tiago descreve uma comunidade organizada e pastoralmente conduzida. Ele fala de assembleias (synagōgē, 2.2), presbíteros (5.14), confissão mútua (5.16) e disciplina espiritual (5.19–20). Cada elemento revela uma igreja visível, com estrutura, ministério e responsabilidade comunitária.

Não há, portanto, espaço na epístola para o individualismo religioso que caracteriza os desigrejados modernos. A fé que Tiago descreve é vivida em meio ao corpo, sob a Palavra e sob pastoreio. O Evangelho, para Tiago, é encarnado na comunidade, não na solidão do “eu e Deus”.

A eclesiologia que emerge de sua carta é a mesma que se vê em Atos 15: uma Igreja que delibera, ministra, ora e se submete à direção do Espírito Santo. É a mesma Igreja que Paulo exorta a manter “a unidade do Espírito pelo vínculo da paz” (Ef 4.3) e que Pedro chama de “sacerdócio real” (1Pe 2.9).

Conclusão

A leitura desigrejada da epístola de Tiago nasce de uma hermenêutica fragmentária e anacrônica. Desconsidera o contexto apostólico, ignora a simbologia teológica de Israel e despreza o testemunho histórico da Igreja primitiva.

Tiago não fala a uma religião sem corpo, mas ao corpo vivo de Cristo, espalhado entre as nações. Sua voz em Atos 15 e sua pena em Tiago 1–5 ressoam a mesma verdade: a fé cristã é comunitária, ordenada e visível. O cristianismo bíblico não é a negação da Igreja, mas a sua consumação.

O espírito desigrejado é, portanto, herdeiro direto das antigas seitas gnósticas, antinomianas e herméticas que, já nos primeiros séculos, procuravam dissolver a concretude da Igreja em um espiritualismo etéreo e elitista. Como os gnósticos, afirmam possuir uma relação imediata com Deus, desprovida de mediação pastoral ou comunitária; como os antinomianos, rejeitam a autoridade visível e o dever da obediência; e como as seitas místicas herméticas, reinterpretam as Escrituras à luz de uma experiência subjetiva, e não da fé “entregue de uma vez por todas aos santos” (Jd 3).

Afirmo, porém, que o mesmo Cristo que salva também congrega; o mesmo Espírito que regenera também edifica; e a mesma Palavra que justifica também ordena. Negar a eclesiologia de Tiago é negar o próprio Cristo, que prometeu edificar Sua Igreja (Mt 16.18).

Tiago, servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo, fala à Igreja de todos os tempos; o novo Israel de Deus, regenerado pela Palavra e sustentado pela comunhão dos santos.

Referências Bíblicas

Tg 1.1; Tg 2.2; Tg 2.14–26; Tg 5.14–16,19–20;

At 15.13–29;

Gl 3.29; Gl 6.16; Gl 2.9;

Rm 3.28; Rm 9.8;

Ef 4.3;

Fp 3.3;

1Pe 1.1,7; 1Pe 2.9;

Jd 3;

Mt 16.18.

domingo, 21 de setembro de 2025

FALÁCIAS E ERROS HERMENÊUTICOS NA INTERPRETAÇÃO DAS ESCRITURAS

 Introdução

     Desde os primeiros séculos da igreja, a tensão entre experiência pessoal e adesão comunitária, entre a graça de Deus e a lei moral, tem sido fonte de debates teológicos. Entre os desigrejados contemporâneos, essa tensão é radicalizada em falácias frequentes: a confusão entre justificação e santificação, a interpretação isolada de textos sobre reconciliação ou sacerdócio, e a alegação de que a lei seria exclusiva para os injustos.

    Este estudo propõe examinar cada uma dessas reflexões com rigor hermenêutico, histórico-gramatical e teológico. Para isso, adotaremos um método estruturado: identificaremos a falácia de cada argumento, apontaremos o erro hermenêutico, desconstruiremos a lógica falaciosa, reabriremos o texto à correta interpretação bíblica, e apresentaremos um argumento positivo fundamentado nas Escrituras, complementado por implicações pastorais.

    Nosso propósito é duplo: mostrar que os desigrejados interpretam a Bíblia de forma incoerente e reafirmar que a Escritura, lida em seu contexto e canonicamente, sustenta a importância contínua da lei moral e da vida santificada, integrada à graça de Cristo e à ação do Espírito Santo.

 

 As Falácias no Argumento dos Desigrejados

     É notável que, quando confrontados pela Palavra de Deus, muitos desigrejados recorrem a um expediente retórico curioso: acusam-nos de falaciosos. Para eles, toda exegese que ultrapassa a leitura superficial, que eles fazem da Escritura, soa como artifício humano; toda exposição que busca o contexto histórico e gramatical parece ser manipulação; e toda aplicação pastoral da lei moral soa como “legalismo”. Contudo, ao acusarem-nos de falácia, eles mesmos incidem nos erros mais básicos da lógica e da hermenêutica, distorcendo as Escrituras ao bel-prazer de suas paixões.

 

 Mas afinal de contas, o que é uma falácia?

     A bem de fazer em uso da palavra, em sua maioria, os desigrejados nem sequer conseguem definir, muito menos qualificar os tipos de falácias. A falácia é um julgamento enganoso, que parece verdadeiro, mas não o é. Desde Aristóteles, a filosofia ocidental confirma que muitos discursos sedutores se sustentam não na verdade, mas em erros lógicos que confundem os simples. Assim também acontece quando a Bíblia é manipulada: não se trata de buscar a voz de Deus no texto em seu contexto global, mas de torcer o texto, fazendo uso de partes convenientes, para justificar uma conclusão já desejada. O apóstolo Pedro anunciava: “...em todas as suas epístolas há pontos difíceis de entender, que os ignorantes e instáveis deturpam, como também deturpam as demais Escrituras, para a própria destruição deles” (2Pe 3.16).

    Falácia, portanto, não é apenas um erro filosófico: é também um erro espiritual. É a prática de Satanás desde o Éden; é tomar a Palavra de Deus, torcê-la sutilmente, e oferecer ao homem uma meia-verdade como se fosse plena verdade. A primeira serpente foi também a primeira sofista.

    Existem diversos tipos de falácias lógicas, cada uma com características próprias, mas todas relacionadas com o mesmo defeito: apresentam julgamentos que parecem válidos à primeira vista, mas que, quando examinados, não se sustentam logicamente. Entre os principais tipos encontrados:

•        Generalização apressada: quando se tira uma conclusão ampla a partir de poucos exemplos ou casos isolados. Ex.: “Conheci dois motoristas que dirigem mal, logo todos os motoristas são imprudentes.”

•        Falsa dicotomia: quando se apresentam apenas duas alternativas como se fossem exclusivas e excludentes, ignorando outras possibilidades. Ex.: “Ou você concorda comigo, ou está completamente errado.”

•        Apelo à emoção: quando se tenta persuadir manipulando sentimentos em vez de apresentar argumentos racionais. Ex.: “Você não quer ser uma pessoa cruel, então deve apoiar esta decisão.”

•        Ataque pessoal (ad hominem): quando se rejeita um argumento atacando a pessoa em vez de examinar a razão apresentada. Ex.: “Ele não é formado em direito, portanto sua opinião sobre a lei não vale.”

•        Espantalho: quando se distorce ou simplifica o argumento do outro para torná-lo mais fácil de atacar. Ex.: “Paulo diz que a Lei orienta o crente, logo ele defende que a salvação depende da aprovação à Lei.”

•        Apelo à ignorância (argumento ad ignorantiam): quando se afirma que algo deve ser verdadeiro ou falso apenas porque não foi provado o contrário. Ex.: “Se a Bíblia não diz explicitamente que precisamos da igreja local, então a igreja local não é necessária.”

•        Argumento circular (raciocínio circular): quando a conclusão é usada como locações para indicar a própria conclusão. Ex.: “A fé não depende de meios visíveis, portanto a igreja e os sacramentos não são necessários; e como não são necessários, isso prova que a fé não depende de meios visíveis.”

•        Falsa causa (post hoc): quando se assume relação causal sem evidência suficiente. Ex.: “Quem cumpre a Lei rigorosamente ainda peca; logo, a Lei é inútil ou totalmente satisfeita à graça.”

•        Redução ao absurdo mal aplicado (reductio ad absurdum): quando se exagera a implicação de um argumento para invalidá-lo, sem considerar o contexto. Ex.: “Se a Lei ainda tivesse função, todos os judeus deveriam ser salvos, o que claramente não ocorre; portanto a Lei não serve para nada.”

    Esses exemplos mostram como falácias podem enganar o raciocínio humano, tornando conclusões aparentemente convincentes, mas logicamente inválidas. Reconhecer esses padrões fora do contexto bíblico ajuda a identificar, no contexto teológico, quando interpretações distorcidas ou usos indevidos das Escrituras tentam manipular a fé ou a lógica do interlocutor sem fundamento sólido.

    Antes de examinar os argumentos específicos apresentados pelos desigrejados, é crucial compreender como Cristo se relaciona com os diferentes aspectos da Lei, pois a correta distinção entre Lei cerimonial, civil e moral revela a base para a interpretação adequada das Escrituras. Essa distinção não constitui uma falácia, nem uma sobreposição à Palavra de Deus, mas sim uma nomeação didática para aquilo que a própria Bíblia apresenta de forma evidente. Ao observar o cumprimento de que Cristo opera nos ritos cerimoniais, a relativização da lei civil diante de Sua missão e a reafirmação contínua da lei moral, percebemos que essa classificação é apenas uma maneira de organizar e esclarecer os aspectos distintos da Lei, sem alterar, distorcer ou acrescentar algo ao que as Escrituras já ensinam. Portanto, identificar e nomear essas dimensões da Lei é um recurso pedagógico legítimo, que auxilia o leitor a compreender com fidelidade o ministério de Cristo e a função pedagógica e ética da Lei ao longo das Escrituras.

    É importante diferenciar como Cristo se relacionou com estes aspectos da Lei no ministério terreno, a fim de compreender corretamente de que forma Cristo cumpriu a Lei por nós. A Lei cerimonial que  apontava tipologicamente para o Messias; Jesus a cumpriu em sua vida, morte e ressurreição, encerrando sua função normativa (Jo 2:19-21; Mt 12:6; Lc 22:19-20). A Lei civil não foi restaurada nem aplicada por Cristo, que relativiza sua aplicação diante das autoridades civis (Mt 22:21). Já a Lei moral, que expressa os mandamentos éticos eternos, é constantemente reafirmada e aprofundada por Jesus, como vemos no Sermão do Monte (Mt 5–7), em Mateus 19:18-19 e em Marcos 12:29-31, onde Ele a resume nos dois grandes mandamentos: amar a Deus e ao próximo. Assim, quando Cristo fala da permanência da Lei (Mt 5:17-19), refere-se especificamente à Lei moral, enquanto os aspectos cerimoniais e civis foram cumpridos e encerrados, demonstrando que sua função pedagógica e ética permanecem vigentes para a vida do crente.

    Com esta compreensão, podemos agora analisar criticamente os argumentos que distorcem o propósito da Lei e sua função pedagógica, identificando falácias e erros hermenêuticos.

 

 Tipos de falácias e sua influência no discurso desigrejado

     Podemos organizar as falácias em duas categorias principais: formais, quando quebram a estrutura da lógica, e informais, quando abusam de conteúdo, linguagem ou pressupostos. Entre estes, algumas vezes aparecem na boca dos desigrejados:

     Generalização apressada: Extraem de um texto uma regra universal sem observar o contexto. Assim, citam 1Tm 1.9 (“ a lei não é feita para os justos ”) e conclui que todo crente, sendo justificado, nada tem a ver com a lei. Ignoram que o próprio Paulo, na mesma carta, um versículo antes chama a lei de “ boa, se alguém dela se utiliza de forma legítima ” (1Tm 1.8).

    Falsa dicotomia: Opõe lei e graça como se fossem inimigas, esquecendo que a graça escreve a lei no coração (Hb 8.10). Dizem: “ ou vivemos pela fé, ou pela lei ”; quando a Escritura responde: “ invalidamos, pois, a lei pela fé? De maneira não! Antes, confirmamos a lei ” (Rm 3.31).

    Texto fora do contexto: Isolam Hb 7.12 (“mudança de lei”) e afirma que toda a lei foi abolida, quando o texto claramente se refere à mudança do sacerdócio levítico para o sacerdócio de Cristo. Aqui a falha não é apenas lógica, mas também hermenêutica: arrancam a frase de sua moldura.

    Espantalho: Atribuem aos reformados o que jamais ensinamos: “Vocês querem voltar ao judaísmo e aos sacrifícios ”. É a mesma caricatura que Paulo disse: " E por que não dizemos: Façamos o mal, para que venha o bem? Como alguns caluniosamente afirmam que dizemos... " (Rm 3.8).

    Apelo à autoridade ilegítima: Em vez de se submeterem ao “ Assim diz o Senhor ”, recorrem a pregadores modernos, testemunhos pessoais ou Rs subjetivas, como se a experiência individual, ou uma pretensa “iluminação do Espírito” tivesse peso maior que a Palavra inspirada pelo próprio Espírito. O Senhor, porém, nos deixou advertências: " À lei e ao testemunho! Se eles não falarem segundo esta palavra, jamais verão a alva " (Is 8.20).

 

A dimensão bíblica do combate à falácia

     Não é novidade que os inimigos da verdade se utilizam de falácias. O próprio Cristo, em sua tentativa no deserto, foi confrontado pelo diabo com um texto bíblico relatado de modo falacioso (Sl 91.11-12 em Mt 4.6). A resposta do Senhor foi também Escritura: “Também está escrito: Não tentarás o Senhor, teu Deus ” (Mt 4.7). Ou seja, a falácia se vence pela Escritura corretamente interpretada. Como? A Bíblia interpretando a própria Bíblia. Foi exatamente o que Cristo fez.

     Portanto, é preciso ensinar ao rebanho do Supremo Pastor que não basta citar um versículo para estar na verdade. Satanás cita versículos; hereges citam versículos; desigrejados citam versículos. A questão não é se há citação, mas se há submissão à totalidade da Palavra (TODA ESCRITURA – 2 Tm 3.16 – AT e NT), à harmonia do contexto, à regra de fé e prática. Cada vez que ouvirem, ou lerem “vocês são legalistas” ou “estão presos à letra”, reconheçam que, por trás da acusação, há uma falácia de rotulagem ( ad hominem ), que ataca a pessoa e não o argumento. Isso é notório e recorrente em um grupo de WhatsApp no qual eu participo e nele os desigrejados estão presentes e assim procedem diuturnamente.

 

O uso de versículos fora de contexto pelos desigrejados.

     Os desigrejados recorrem, com frequência, ao uso de versículos fora de contexto. Esse procedimento consiste em recortar um texto bíblico, isolando-o de sua passagem imediata e também do propósito maior do livro em que se encontra. O erro, porém, vai além: ao desconsiderar a unidade das Escrituras, o texto arrancado perde seu lugar no todo que vai de Gênesis a Apocalipse.

    Construir teorias ou doutrinas a partir de um versículo isolado, ou mesmo de uma perícope, é deformar a Palavra. Uma doutrina, para ser verdadeiramente bíblica, precisa de conformidade não apenas com a passagem isolada, mas também com o propósito do livro que a contém e sua coerência com todo o cânon. O tratamento de qualquer tema deve ser abrangente, guardando a harmonia das Escrituras. Como declarou o apóstolo Paulo, “Toda a Escritura é inspirada por Deus" (2Tm 3.16); e todo significa toda, do Gênesis ao Apocalipse.

    Quando Paulo declara que “toda a Escritura é inspirada por Deus” (2Tm 3:16), a referência imediata de Timóteo seria o AT, já consolidado e aceito como Palavra de Deus. No entanto, o princípio estabelecido pelo apóstolo não se restringe apenas ao conjunto de livros já existentes até aquele momento. Paulo afirma um caráter universal e perene da inspiração: toda Escritura que procede de Deus, independentemente de quando fosse escrita, carrega a mesma autoridade divina.

    Dessa forma, os escritos apostólicos, mesmo os que seriam redigidos posteriormente, tais como: o Evangelho de João, as cartas joaninas, Judas e o Apocalipse se enquadram naturalmente na categoria de “Escritura inspirada”. Essa compreensão é confirmada pelo próprio Novo Testamento:

1. O testemunho de Pedro: Em 2Pe 3:15-16, Pedro reconhece as cartas de Paulo como “Escrituras”, equiparando-as ao AT. Isso mostra que, já nos dias apostólicos, havia consciência de que os escritos do NT eram igualmente inspirados.

2. A promessa de Cristo: Em Jo 14:26, Jesus garante aos apóstolos que o Espírito Santo os guiaria a “toda a verdade” e os faria lembrar de tudo o que Ele ensinou. Essa promessa se cumpre justamente na redação dos escritos apostólicos, que não são meras reflexões humanas, mas revelação inspirada.

3. O testemunho do próprio Apocalipse: O livro encerra com a reivindicação de autoridade divina: “Estas palavras são fiéis e verdadeiras” (Ap 22:6) e traz advertência solene contra quem adicionar ou retirar algo (Ap 22:18-19). Isso o coloca no mesmo nível de santidade e autoridade do restante da Escritura.

    Portanto, ainda que cronologicamente Paulo tenha escrito 2Tm antes de alguns outros livros do NT, o princípio ali estabelecido abrange também os escritos posteriores, pois a inspiração não depende do momento histórico em que o texto foi redigido, mas da origem divina do conteúdo.

    Assim, “toda a Escritura” compreende, de fato, de Gênesis a Apocalipse, visto que todos os livros — anteriores ou posteriores a 2Tm — procedem da mesma fonte: o Espírito Santo, que inspirou profetas e apóstolos para registrar de forma completa a revelação de Deus.

 

Alguns argumentos falaciosos dos desigrejados:

 Primeiro Argumento: “A lei não é para os justos, mas para os injustos” (1Tm 1.9-10)

A falácia

    O desejo é como aqui a falácia da generalização apressada. Ao ler que a lei não foi feita para o justo, ele conclui: “Logo, o crente, justificado em Cristo, nada mais tem a ver com a lei”. Essa conclusão não é lógica do texto, mas é uma inferência precipitada que ignora o próprio contexto imediatamente e o testemunho amplo da Escritura.

 O erro hermenêutico

    Além do erro lógico, há uma falha hermenêutica: o texto é lido fora do seu contexto histórico e literário. Paulo não está abolindo a lei moral; está, sim, ensinando a Timóteo o uso legítimo da lei (1Tm 1.8). O contraste não é entre lei e graça, mas entre o justo que ama a lei de Deus (Sl 1.2; Rm 7.22) e o ímpio que precisa ser confrontado pela lei.

 Desconstrução do argumento

    Se aceitarmos a leitura dos desigrejados, Paulo estaria:

·        contradizendo a si mesmo em Romanos 3.31: “ Anulamos, pois, a lei pela fé? De maneira não! Antes, confirmamos a lei”.

·        Da mesma forma, ele estaria em desacordo com o próprio Cristo, que disse: “ Não penseis que vim revogar a lei ou os profetas; não vim revogar, vim cumprir ” (Mt 5.17).

Logo, uma leitura desigrejada não resiste ao teste da harmonia bíblica.

 Correção bíblica

·        O justo não está “fora” da lei, mas em nova relação com ela.

·        A lei que antes o condenava, agora, em Cristo, é escrita no coração pelo Espírito (Hb 8.10; Jr 31.33).

·        A função pedagógica da lei continua válida: mostrar o pecado (Rm 7.7), guiar à vida santa (Sl 119.105, Jo 17.17, Mt 7.16-25), e ser norma da gratidão dos redimidos (Jo 14.15).

 Argumento positivo

    O ensino reformado é claro: a lei tem três usos. (1) Cível, para refrear a impiedade; (2) Pedagógico, para revelar o pecado e conduzir a Cristo; (3) Normativo, para ser a regra de vida dos justificados. É nesse terceiro uso que Paulo afirma: “ Deleitamo-nos na lei de Deus, segundo o homem interior ” (Rm 7.22). Logo, a lei não é inimiga da graça, mas sua companheira na vida do crente.

Pastoral

    Aos crentes que ouvem tais distorções, é necessário afirmar: não temais a lei de Deus. Em Cristo, ela já não vos condena, mas vos guia. O regenerado não foge da lei, antes a ama: " Quanto amo a tua lei! É a minha meditação todo o dia " (Sl 119.97). Fugir da lei em nome da graça é como rejeitar a bússola em nome da viagem.

 Visto, portanto, que o argumento desigrejado em 1Tm 1.9-10 falha tanto na lógica quanto na exegese, passamos ao segundo raciocínio falacioso, em que se opõe à carne e ao espírito de modo indevido, tentando dissolver a lei moral no abismo de uma suposta “espiritualidade” sem norma.

 

 Segundo Argumento: “A lei opera na carne, a graça trata o espírito”

 A falácia

    O desejo aqui recorre à falsa dicotomia: apresenta lei e graça como forças mutuamente excludentes, como se o crente tivesse de escolher entre uma ou outra. Dizem: “a lei opera na carne, mas a carne é inútil; a graça opera no espírito, e por isso a lei não nos serve mais”. Esse cálculo é falacioso porque assumir que a lei e a graça não podem coexistir, ignorando completamente a Escritura e a experiência do povo regenerado.

 O erro hermenêutico

    Há também eixegese evidente: o texto de Paulo sobre carne e espírito (Rm 8; Gl 5) é lido isoladamente, como se a oposição fosse total e destrutiva, quando na verdade Paulo descreve o contraste entre a vida dominada pelo pecado e a vida dominada pelo Espírito. Ele nunca sugere que a lei moral se torne desnecessária ou inválida para o cristão.

 Desconstrução do argumento

   A separação entre lei e graça como se fossem esferas opostas não encontra respaldo bíblico. A lei não é inimiga da graça, nem a graça anula a lei; ambas operam em harmonia na vida do crente. Paulo mesmo declara: “De modo nenhum! Antes, confirmamos a lei” (Rm 3.31). A graça não substitui a lei, mas concede poder espiritual para que ela seja cumprida de modo interior e sincero, não apenas exterior.

    Reduzir a lei à “carne” é distorcer completamente o ensino apostólico. Paulo afirma: “a lei é santa; e o mandamento, santo, justo e bom” (Rm 7.12). Portanto, não há qualquer fundamento para classificá-la como instrumento carnal em oposição ao Espírito. Pelo contrário, o Espírito grava a lei no coração dos regenerados (Hb 8.10), de modo que a obediência se torna expressão de vida espiritual e não de escravidão carnal.

    Além disso, se aceitássemos a falácia de que toda referência à lei é “carne”, chegaríamos a conclusões absurdas: que o cristão não deve instruir seus filhos na lei do Senhor (“Pais, criai-os na disciplina e na admoestação do Senhor” – Ef 6.4), ou que obedecer aos mandamentos de Cristo seria retornar à carne (“Se me amais, guardareis os meus mandamentos” Jo 14.15). Nesse raciocínio, até mesmo o apóstolo João seria culpado de pregar “carne”, ao afirmar: “Ora, sabemos que o conhecemos por isto: se guardamos os seus mandamentos” (1 Jo 2.3).

    Portanto, a falsa dicotomia cai por terra. A graça não elimina a norma; ela renova o coração para cumpri-la. O mesmo Cristo que nos justificou também disse: “Não penseis que vim revogar a lei ou os profetas; não vim revogar, mas cumprir” (Mt 5.17). Veja Nota exegética sobre Romanos 7 e 8 ao final

Correção bíblica

    Paulo nos mostra que a lei não é inimiga da graça, mas instrumento pelo qual o Espírito trabalha no crente. O Espírito Santo escreve a lei no coração, aprovação interior (Ez 36.27; Hb 8.10). Assim, a oposição carne/espírito não implica abandono da lei moral; antes, evidencia que a vida espiritual verdadeira se realiza por meio da lei internalizada, não de uma moral vazia ou legalista.

 Argumento positivo

·        Premissa 1: A Escritura distingue carne e espírito, mostrando que o pecado domina a carne e a lei revela essa condição (Rm 7).

·        Premissa 2: O Espírito Santo internaliza a lei no coração do crente, capacitando-o à obediência (Ez 36.27; Hb 8.10).

·        Premissa 3: A santificação não elimina a lei, mas cumpre seu propósito: conduzir o crente à justiça e à comunhão com Deus (Rm 8.4; Gl 5.16-18).

Resultado lógico: Se a graça opera no espírito, e o espírito está capacitado a cumprir a lei, então a lei permanece vigente como guia moral, e não como instrumento condenatório.

Conclusão afirmativa: Portanto, a oposição entre lei e graça é falsa; A lei moral é transformada e aperfeiçoada pelo Espírito, e o crente vive sob sua orientação amorosa.

 Pastoral

    É necessário que os crentes entendam que fugir da lei em nome da graça é ignorar o instrumento pelo qual o Espírito os guia. A santificação não é abandono da lei, mas participação ativa na vontade de Deus: “Sede santos, porque eu sou santo” (1Pe 1.16). Ensinar a obediência à lei não é legalismo, mas amor à graça que nos capacita.

     Tendo desfeito a dicotomia artificial entre carne e espírito, podemos agora enfrentar os casos mais graves de textos tirados de contexto, como Hebreus 9.26-28 e Romanos 3.19-20, que os desigrejados utilizam para argumentar que a lei foi abolida ou tornada irrelevante.

 

 Terceiro Argumento: “Eliminem esses versículos — a lei está abolida” (Hb 9.26-28; Rm 3.19-20)

A falácia

 Aqui os desigrejados recorrem à falácia do texto fora do contexto e à generalização apressada. Eles afirmam que, porque Cristo morreu para expiar os pecados, toda a lei moral ou cerimonial deixou de ter validade. Essa conclusão extrapola o sentido dos textos: a Escritura não diz que a lei é abolida, mas que a função condenatória da lei em relação ao pecado sacrificial foi cumprida em Cristo.

 O erro hermenêutico

 O erro hermenêutico é duplo:

•        Eixegese: coloca no texto uma intenção de “abolir toda lei”, quando Hebreus trata especificamente dos sacrifícios de Cristo como cumprimento do sistema sacrificial levítico.

•        Isolacionismo de texto: ignoram o contexto paulino de Romanos 3.19-20, que mostra a função pedagógica da lei: “Porque todos os homens estão debaixo do pecado, para que toda boca se cale e o mundo inteiro fique sujeito ao juízo de Deus. Ninguém será justificado diante dele pelas obras da lei; pela lei vem o conhecimento do pecado”. A passagem não declara a lei inútil, mas revela que a justiça não é alcançada por obras, mas por Cristo, enquanto a lei permanece como instrumento de revelação do pecado.

 Desconstrução do argumento

 Aceitar a posição desigrejada implicaria que:

•        O decálogo, os mandamentos de Cristo, e toda norma moral são descartáveis;

•        Obediência, santidade e disciplina seriam irrelevantes para a vida do crente;

•        Hebreus e Romanos contradiriam entre si e com toda a tradição apostólica.

 Um reductio ad absurdum seria: se a lei foi abolida, então Pedro não estaria certo em exortar os crentes a “obedecerem à verdade” (1Pe 1.22 cf Jo 17.17) nem Paulo em dizer que a graça nos chama a “praticar boas obras” (Tt 2.14). Portanto, a inferência desigrejada é logicamente insustentável.

 Correção bíblica

 O correto é entender:

·        Hebreus 9.26-28 trata da eficácia do sacrifício de Cristo para expiação, não da revogação da lei moral. Cristo cumpriu o sistema sacrificial e inaugurou a nova aliança, mas a lei moral continua como norma de santidade.

·        Romanos 3.19-20 esclarece que a lei não justifica, mas instrui sobre o pecado e aponta para a necessidade da graça. A lei não é abolida; ela cumpre seu papel pedagógico e normativo.

·        A Escritura interpreta a Escritura: Cristo confirma a lei moral em Mateus 5.17-20, e Paulo afirma que a lei permanece útil para instrução, admoestação e condução à santidade (Rm 7.12; 1Tm 1.8; 2 Tm 3.14-16).

Argumento positivo

·        Premissa 1: Cristo cumpriu a lei cerimonial e expiatória, estabelecendo a nova aliança (Hb 9.26-28).

·        Premissa 2: A lei moral revela o pecado e guia à santidade (Rm 3.19-20; Sl 119.105).

·        Premissa 3: A graça capacita o espírito a cumprir a lei, mas não a extingue (Rm 8.4; Ez 36.27).

Resultado lógico: A morte expiatória de Cristo, prevista no AT e consumada no NT, mostra a função da lei de condenatória para os ímpios, mas pedagógica e normativa para os crentes, sem abolir sua autoridade moral.

Conclusão afirmativa: Portanto, a lei moral de Deus permanece vigente e útil, enquanto a graça opera no crente para vivê-la em espírito, não apenas em letra.

 Pastoral

    O crente deve rejeitar qualquer ensino que tente reduzir a obediência à mera “espiritualidade interior” sem norma objetiva. A lei continua sendo bússola moral, guia para a vida em santidade, e instrumento pelo qual o Espírito forma o caráter segundo Cristo. Abandonar a lei é comprometer a própria graça que nos santifica.

     Tendo demonstrado que a alegação de abolir a lei por meio do sacrifício de Cristo é falaciosa, passamos agora ao próximo argumento desigrejado: a confusão entre justificação e santificação, que frequentemente é usada para atacar a relevância da lei moral na vida do crente.

 

 Quarto Argumento: “Justificação elimina a necessidade da santificação e da lei”

A falácia

    O desigrejado recai aqui na falácia da falsa equivalência. Alega que, porque o crente é justificado pela fé, toda obediência, santidade e lei moral são irrelevantes. Confunde justificação (declaração legal de justiça diante de Deus) com santificação (processo contínuo de transformação moral e espiritual). Essa equivalência é lógica e teologicamente insustentável.

 O erro hermenêutico

    Há também eixegese: isolam textos como Rm 5.1 (“Justificados, portanto, pela fé, temos paz com Deus”) e Gl 2.16 (“não se é justificado pelas obras da lei, mas mediante a fé em Cristo”), e deleitam-se em ler “não pelas obras da lei” como se dissesse: “não há necessidade de santificação ou obediência”. Ignoram que Paulo trata de justificação legal, não de abandono moral ou espiritual do crente.

 Desconstrução do argumento

 Se aceitássemos a posição deles: 

•        Toda exortação à santidade seria redundante;

•        Mandamentos de Cristo e ordens apostólicas seriam inúteis;

•        O cristão estaria autorizado a viver em pecado, confiando apenas na declaração legal da justificação.

 Um reductio ad absurdum: isso faria Paulo contradizer-se em 1Ts 4.3-7 e 1Jo 3.9, onde a santificação é inseparável da vida em Cristo. A consequência absurda é uma fé sem frutos, que contradiz Tiago 2.17: “Assim também a fé, se não tiver obras, é morta em si mesma”.

 Correção bíblica

 A Bíblia ensina claramente:

·        Justificação declara o crente justo diante de Deus (Rm 3.24; 5.1).

·        Santificação é a obra contínua do Espírito Santo para conformar o crente à imagem de Cristo (2Co 3.18; 1Ts 4.3; Hb 12.14).

·        A lei moral permanece como norma de vida, orientando a santificação e demonstrando o amor a Deus e ao próximo (Rm 13.8-10; 1Jo 5.3).

Portanto, justificação e santificação são distintas, mas inseparáveis na vida do crente. A primeira é declarativa; a segunda, transformadora.

 Argumento positivo

·        Premissa 1: A justificação é uma declaração legal da justiça de Cristo imputada ao crente (Rm 5.1; 2Co 5.21).

·        Premissa 2: A santificação é o processo de transformação moral pelo Espírito Santo, obedecendo à lei de Deus (1Ts 4.3-7; 2Co 3.18).

·        Premissa 3: A lei moral permanece vigente como norma de vida, orientando o crente regenerado (Rm 13.8-10; Sl 119.105).

 Resultado lógico: A justificação não elimina a necessidade de santificação; pelo contrário, é a base segura sobre a qual o crente obedece à lei de Deus em gratidão e amor.

 Conclusão afirmativa: Portanto, confundir justificação com santificação é erro teológico; a vida cristã envolve fé que justifica e obediência que santifica.

 Pastoral

    O crente deve ser ensinado a distinguir entre ser declarado justo e ser transformado na justiça. Fugir da lei moral em nome da justificação é desprezar a obra do Espírito que nos capacita a viver segundo a vontade de Deus. A obediência à lei moral é, portanto, expressão de fé viva e fruto de justificação verdadeira.

     Com a distinção entre justificação e santificação estabelecida, estamos agora aptos a avançar para os argumentos subsequentes dos desigrejados, incluindo o uso falacioso de textos sobre sacerdócio e “mudança de lei” em Hebreus 7-8, onde eles tentam alegar que toda a lei foi abolida.

 

Quinto Argumento: “Mudança de sacerdócio implica mudança ou revogação da lei” (Hb 7–8)

A falácia

    Os desigrejados cometem aqui a falácia do escorregadio (slippery slope): concluem que, porque Cristo é sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque e não segundo a lei levítica, toda a lei moral ou cerimonial é abolida. Argumentam que a mudança de sacerdócio gera automaticamente mudança ou anulação de lei. Essa é uma inferência precipitada, sem sustentação lógica: mudança de ministério não implica necessariamente mudança de norma moral.

 O erro hermenêutico

     O erro é uma combinação de eixegese e leitura literal fora do contexto. Hebreus discute a superioridade do sacerdócio de Cristo em relação ao sacerdócio levítico, que era limitado e dependente da morte de seus sacerdotes. O autor não afirma que a lei moral de Deus, inscrita no coração e reiterada por Cristo, perde validade. O foco é o cumprimento do sistema sacrificial e a mediação do novo pacto, não a revogação da lei moral ou a desobrigação do crente.

 Desconstrução do argumento

 Se aceitássemos a interpretação dos desigrejados:

•        Todos os mandamentos de Deus seriam anulados;

•        A obediência a Cristo e aos apóstolos seria opcional;

•        O próprio conceito de pecado e santidade perderia significado.

 Isso é um exemplo de reductio ad absurdum: isso faria o decálogo irrelevante, desautorizaria Pedro (1Pe 2.21-25) e Paulo (Rm 12-13) e tornaria o ensino de Jesus sobre justiça e santidade uma simples recomendação, não um comando.

Correção bíblica

 O correto entendimento é:

•        A mudança de sacerdócio (Hb 7.11-17) refere-se ao sacerdócio levítico que não podia aperfeiçoar nem dar acesso pleno a Deus.

•        Cristo inaugura um sacerdócio perene, eterno, segundo a ordem de Melquisedeque, garantindo acesso pleno e definitivo ao trono de Deus (Hb 7.24-25).

•        A lei moral não é abolida; ela é reafirmada no novo pacto, escrita nos corações pelo Espírito (Hb 8.10; Ez 36.27).

 O “mandamento anterior” não é a lei moral, mas as limitações do sistema sacrificial humano e da mediação levítica, que eram provisórias e simbólicas.

 Argumento positivo

·        Premissa 1: O sacerdócio levítico era temporário e incapaz de aperfeiçoar ou reconciliar plenamente (Hb 7.11-19).

·        Premissa 2: Cristo é sacerdote eterno, segundo a ordem de Melquisedeque, garantindo acesso pleno e definitivo a Deus (Hb 7.24-28).

·        Premissa 3: A lei moral permanece vigente, internalizada pelo Espírito, e guia a vida do crente em santidade (Hb 8.10; Rm 8.4).

 Resultado lógico: A superioridade do sacerdócio de Cristo cumpre e aperfeiçoa o propósito da lei, mas não a extingue; pelo contrário, garante que ela seja vivida em espírito e verdade.

Conclusão afirmativa: Portanto, a mudança de sacerdócio não implica revogação da lei moral; Cristo cumpre o sistema sacrificial e capacita o crente a obedecer à lei em plenitude.

Pastoral

    O crente deve compreender que a superioridade de Cristo como Sumo Sacerdote não é um convite à desobediência, mas à confiança plena na graça que capacita a santidade. A lei moral continua a ser bússola para a vida cristã, agora cumprida no coração regenerado pelo Espírito.

 Tendo refutado a falácia da “mudança de lei” em Hebreus, podemos avançar para o próximo uso indevido de textos, como 2Coríntios 5.18-21, onde os desigrejados erroneamente interpretam a reconciliação em Cristo como cancelamento da lei moral.

 

Sexto Argumento: “Reconciliação em Cristo elimina a lei moral” (2Co 5.18-21)

A falácia

 Os desigrejados caem aqui na falácia da generalização apressada: porque Deus reconciliou o mundo consigo mesmo em Cristo, concluem que a lei moral é supérflua ou desnecessária para o crente. Essa conclusão ignora a função normativa da lei e a diferença entre reconciliação legal e transformação moral.

 O erro hermenêutico

     O erro hermenêutico é duplo e consiste em isolacionismo de texto e eixegese. A passagem diz:

 “Tudo provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por Cristo… não imputando aos homens as suas transgressões…”

     Eles interpretam “não imputando… transgressões” como anulação da lei, quando o texto trata da imputação penal do pecado; ou seja, a reconciliação declara perdoados os pecados mediante Cristo, sem extinguir a lei moral que define o pecado.

 Desconstrução do argumento

 Se aceitássemos a interpretação deles:

•        A distinção entre pecado e justiça desapareceria;

•        O chamado à santidade e à obediência seria desnecessário;

•        A ética cristã seria reduzida a mero exercício de sentimentos subjetivos.

 Reductio ad absurdum: Paulo e João ainda exortam os crentes a “andarem de maneira digna da vocação” (Ef 4.1), a “praticarem boas obras” (Tt 2.14) e a “obedecerem aos mandamentos de Cristo” (Jo 14.15). Se a reconciliação anulasse a lei, essas instruções seriam contraditórias ou inúteis.

 Correção bíblica

 O correto é entender que:

•        A reconciliação em Cristo remove a penalidade do pecado, não a definição de pecado.

•        A lei moral continua vigente, como instrumento pelo qual o Espírito forma o caráter do crente (Rm 8.4; Ez 36.27).

•        Ser “embaixador de Cristo” implica convite à obediência e prática da justiça, não à anarquia moral.

 A reconciliação inaugura acesso a Deus e capacitação para cumprir a lei em espírito e verdade, cumprindo a promessa de Cristo: “Eu vos darei um novo coração e porei em vós um novo espírito” (Ez 36.26-27).

 Argumento positivo

·        Premissa 1: A reconciliação remove a imputação penal do pecado, declarando perdoados os transgressores (2Co 5.19-21).

·        Premissa 2: A lei moral define o pecado e orienta a vida do crente regenerado (Rm 8.4; Sl 119.105).

·        Premissa 3: A graça capacita o crente a viver de acordo com a lei, produzindo santificação e frutos de justiça (Fil 2.13; 2Co 3.18).

Resultado lógico: A reconciliação legal em Cristo não elimina a lei moral; ela torna possível vivê-la plenamente no espírito regenerado.

Conclusão afirmativa: Portanto, a reconciliação em Cristo confirma a necessidade da lei moral para guiar a vida do crente, capacitado pelo Espírito Santo.

Pastoral

    O crente deve compreender que perdão e reconciliação não significam liberdade para pecar. Pelo contrário, a graça recebida chama à vida santa e obediente. Ensinar que a reconciliação cancela a lei é minar a própria obra de santificação do Espírito.

     Tendo desfeito a confusão entre reconciliação e revogação da lei, podemos agora abordar o último ponto crítico dos desigrejados: o uso seletivo e distorcido da Escritura para afirmar que a lei é apenas para os injustos, ignorando seu papel formativo e normativo para os crentes justificados.

 

Sétimo Argumento: “A lei é feita apenas para os injustos” (1Tm 1.9-10)

 A falácia

    Aqui, os desigrejados caem na falácia do raciocínio simplista e falsa dicotomia. Concluem que, porque a lei é direcionada aos transgressores e rebeldes, ela não tem função nem obrigação para os justos. Essa visão ignora que a lei tem múltiplos propósitos: condenar o pecado, revelar a justiça de Deus e instruir os redimidos na santidade.

 O erro hermenêutico

    O erro consiste em isolacionismo de texto e leitura literal restritiva. Paulo diz em 1Tm 1.9-10 que a lei é para os transgressores e rebeldes, não para justificar uma revogação universal da lei. O contexto é disciplinar e didático: a lei mostra quem é pecador e guia à justiça, incluindo aqueles que já foram justificados pela fé. Paulo é claro no sentido que ele se propõe: “Sabemos, porém, que a lei é boa, se alguém dela se utiliza de modo legítimo...” (1 Timóteo 1:8)

Desconstrução do argumento

Se aceitássemos a posição deles:

•        Crentes justificados poderiam ignorar mandamentos de Deus;

•        Santificação e obediência seriam opcionais;

•        O propósito pedagógico e formativo da lei seria negado.

 Reductio ad absurdum: isso colocaria em contradição passagens que exortam à prática da justiça e à vida piedosa, como Tiago 2.14-26 e 1Pe 1.13-16, mostrando que a fé genuína se manifesta em obediência.

 Correção bíblica

 O correto entendimento é:

•        A lei revela o pecado aos injustos, mas também instrui os redimidos na santidade (Rm 7.7; Sl 119.105; 1Tm 1.8-10).

•        Ser “justo em Cristo” não significa estar isento da lei, mas cumpri-la pela graça (Rm 8.4; Gl 5.16-25; 1 Tm 1.8-10).

•        O propósito da lei inclui guia moral e normativo, mesmo para os justos, funcionando como instrumento de crescimento espiritual.

 Argumento positivo

·        Premissa 1: A lei serve para revelar o pecado e conduzir à justiça (Rm 3.20; 1Tm 1.9-10).

·        Premissa 2: O crente justificado é capacitado pelo Espírito a cumprir a lei em gratidão e amor (Rm 8.4; Ez 36.27).

·        Premissa 3: A lei moral não é abolida; permanece como norma de santidade e instrumento de santificação (Sl 119.105; 1Pe 1.15-16).

Resultado lógico: A lei, embora confrontando os injustos, continua relevante para os justos, servindo como guia de vida e padrão de santidade.

 Conclusão afirmativa: Portanto, a lei não é apenas para os injustos; ela é válida e obrigatória também para os redimidos, exercendo papel formativo e normativo na vida cristã.

Pastoral

 O crente deve reconhecer que a graça não elimina o dever de obediência; pelo contrário, ela capacita a cumprir a lei de Deus em espírito e verdade. Ensinar que os justos podem desprezar a lei é minar a própria estrutura da vida cristã segundo a Escritura.

     Com este ponto, encerramos a sequência de refutações dos principais argumentos desigrejados sobre a lei, reconciliação, justificação e sacerdócio. O quadro completo demonstra que suas falácias e erros hermenêuticos são consistentes, e que a Bíblia, interpretando a si mesma, revela a continuidade da lei moral para os crentes, integrada à obra redentora de Cristo e à ação santificadora do Espírito.

 

 Conclusão

     Ao longo deste estudo, ficou evidente que as falácias dos desigrejados (desde generalizações simplistas até leituras eixegéticas de textos sobre justificação, reconciliação e sacerdócio) não resistem a uma análise exegética cuidadosa. Cada argumento, quando desconstruído, revela contradições internas, confusões conceituais e distorções da verdade bíblica.

     Paulo, em sua segunda carta a Timóteo, lembra: “Mas tu, permanece naquilo que aprendeste e de que foste inteirado, sabendo de quem o aprendeste; e que desde a tua infância sabes as sagradas letras, as quais podem tornar-te sábio para a salvação, pela fé que há em Cristo Jesus” (2Tm 3.14-15).

    O texto evidencia que o conhecimento que Timóteo possuía desde a infância era fundamentalmente do Antigo Testamento; justamente as Escrituras que apontavam para Cristo e preparavam o povo para a fé redentora. Nenhum ritual, cerimônia ou aplicação civil da Lei produzia salvação; esta sempre se deu pela fé no Messias, antes de Sua vinda e depois, plenamente revelada em Cristo. Assim, a função pedagógica da Lei se mantém inalterada: ela expõe o pecado, orienta o coração regenerado e aponta constantemente para a graça salvadora do Redentor.

O salmista expressa de forma semelhante a confiança no socorro divino:

 “Volta-te, SENHOR, e livra a minha alma; salva-me por tua graça.” (Sl 6.4).

    Além disso, a fé daqueles que creem na Lei de Deus como instrumento de santificação não reside na Lei em si mesma, nem na prática dela pelo crente, pois, em toda a Escritura — tanto no Antigo quanto no Novo Testamento — o cumprimento da Lei nunca gerou justificação ou salvação. O que salva é a fé nos méritos de Cristo. Ao mesmo tempo, Jesus declara:

 “Santifica-os na tua verdade; a tua palavra é a verdade” (Jo 17.17).

     Este versículo evidencia que a Palavra de Deus santifica os crentes, separando-os para Deus e moldando sua vida segundo a verdade, mas não garante a salvação pelo cumprimento da Lei. Assim, a Lei permanece como instrumento pedagógico e de santificação, enquanto a fé em Cristo continua sendo o único meio de justificação e salvação.

    Adicionalmente, a Lei funciona como espelho do pecado e instrumento pedagógico, mostrando tanto aos injustos quanto aos redimidos a necessidade absoluta de Cristo. Paulo esclarece:

•  “Pois ninguém será justificado diante de Deus pelas obras da Lei; porque pela Lei vem o conhecimento do pecado” (Rm 3.20)

•  “De maneira que a Lei nos serviu de aio, para nos conduzir a Cristo, a fim de que pela fé fôssemos justificados” (Gl 3.24).

     A função pedagógica da Lei permanece contínua: no AT, revelava o pecado e apontava para o Redentor; no NT, orienta o coração regenerado e sustenta a santidade prática. Ao iluminar o pecado, a Lei evidencia a graça, fortalecendo a fé em Cristo e não substituindo-a. Esse princípio integra-se perfeitamente com 2Tm 3.14-16 e Sl 6.4, mostrando que a Lei nunca justifica por si, mas prepara e conduz o crente à fé viva e à obediência santificada.

    Por fim, a verdadeira sabedoria e segurança vêm do estudo diligente das Escrituras, da fé em Cristo e da obediência guiada pelo Espírito. A salvação é operada exclusivamente pela graça de Deus, sem mérito humano, enquanto a santificação se dá na harmonia entre a ação do Espírito e a cooperação do crente, que obedece com temor e tremor, desenvolvendo sua vida segundo a Palavra de Deus, como Paulo instrui:

 “Assim, pois, amados meus, como sempre obedecestes, não só na minha presença, porém, muito mais agora, na minha ausência, desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade. Fazei tudo sem murmurações nem contendas, para que vos torneis irrepreensíveis e sinceros, filhos de Deus inculpáveis no meio de uma geração pervertida e corrupta, na qual resplandeceis como luzeiros no mundo, preservando a palavra da vida, para que, no Dia de Cristo, eu me glorie de que não corri em vão, nem me esforcei inutilmente” (Fp 2.12-16).

    A expressão “desenvolvei a vossa salvação” descreve o processo contínuo de santificação, não a salvação em si, pois os crentes a quem Paulo escreve já haviam sido justificados (Fp 1.1). Aqui se manifesta a cooperação do crente com o Espírito Santo: a fé em Cristo gera obediência, a obediência cresce em santidade, e o Espírito efetua tanto o querer quanto o realizar.

    Portanto, todo crente, instruído na Palavra desde a infância e guiado pelo Espírito, reconhece que a Lei é indispensável como guia de santidade, reveladora do pecado e pedagógica em direção a Cristo, mas que somente a fé em Cristo, e não o cumprimento da Lei, garante a salvação e a justificação. A santificação, por sua vez, é fruto de uma vida cooperativa com o Espírito, obedecendo diligentemente à Palavra e crescendo na conformidade à imagem de Cristo. A aplicação da Lei Moral na vida do crente trata-se do exercício da piedade por aqueles que foram justificados, regenerados e, portanto, agora estão em plena santificação a caminho da glória.

 

 NOTAS DE FIM

Nota aos capítulos 7 e 8 de Romanos

 

Romanos 7

 

1. A antecipação de objeções e o risco de mal-entendido (7.1–6)

 Paulo começa estabelecendo o paralelo entre a lei conjugal e a Lei de Deus:

Assim como a morte liberta a esposa da lei conjugal, a morte em Cristo nos liberta da condenação da Lei, não da Lei em si, mas de seu domínio como instrumento de condenação (v. 4–6).

Ele antecipa uma leitura equivocada: alguém poderia pensar que “morremos para a Lei” significaria desprezá-la ou que a Lei é inválida. Paulo evita essa interpretação, deixando claro que a morte em Cristo nos habilita a frutificar para Deus, ou seja, a Lei cumpre seu propósito espiritual.

Aqui, já vemos a estratégia de Paulo: expor o problema (a morte do pecado pela Lei) e imediatamente mostrar que isso não é anulação, mas transformação da função da Lei.

 

2. A Lei não é pecado, mas revela o pecado (7.7–13)

 Paulo então antecipa a objeção clássica: “Se o pecado se manifesta através da Lei, não será a Lei o problema?”

·        Ele responde enfaticamente: “De modo nenhum!” (v. 7).

·        A Lei continua santa, justa e boa (v. 12).

O que acontece é que o pecado se aproveita da Lei para se revelar. O mandamento que é bom não mata, mas mostra a gravidade do pecado, expondo sua perversidade (v. 13).

Esse ponto é crucial: Paulo já vê que leitores desigrejados poderiam alegar que o efeito da Lei é destrutivo. Ele mostra que o efeito não é da Lei, mas do pecado. A Lei continua válida e necessária, pois sua função é tornar o pecado evidente.

 

3. O conflito interno e a função contínua da Lei (7.14–25)

 Paulo descreve a luta interna do crente: o homem interior deseja a Lei de Deus, mas a carne é escrava do pecado (v. 14, 22–23).

Ele mostra que o problema não está na Lei, mas na carne. Mesmo quando falha, o crente reconhece a santidade da Lei e deseja cumpri-la (v. 16, 18, 21).

A conclusão (v. 25) liga tudo: “De mim mesmo, com a mente, sou escravo da Lei de Deus.” A Lei mantém seu valor; ela guia, revela o pecado e aponta para Cristo, o único que pode efetivamente libertar do pecado.

 

4. Síntese teológica

  • Antecipação de objeções: Paulo sabe que a descrição da morte para a Lei e o conflito com o pecado poderia ser lida como anulação da Lei.
  • Refutação implícita: Ele esclarece que a Lei continua santa, boa e útil, e que o problema é o pecado que habita em nós.
  • Benefício da Lei: A Lei revela o pecado, dirige o crente ao arrependimento e aponta para a necessidade de Cristo.
  • Continuidade da Lei: Não há desobediência autorizada; a Lei continua sendo norma espiritual, internalizada no homem interior pelo Espírito Santo (prelúdio do que será reforçado em Romanos 8).

 Resumo:

    Romanos 7 tem sido interpretado de diferentes formas: alguns veem Paulo descrevendo sua experiência pré-conversão, outros entendem que ele fala da luta presente do crente regenerado. Reconhecemos a existência dessas leituras concorrentes, mas adotamos aqui a compreensão reformada clássica de que Paulo descreve a tensão real do cristão já justificado, que, apesar de liberto da condenação da Lei em Cristo, ainda experimenta o conflito entre carne e espírito. Essa leitura preserva tanto a função pedagógica da Lei quanto a centralidade da graça, em harmonia com o ensino do contexto de Romanos 6 e 8, bem como é consistente com o todo Bíblico.

 

Romanos 8

 

1. A antecipação de objeções e o risco de mal-entendido (8.1–4)

 Paulo inicia Romanos 8 proclamando a libertação do crente da condenação:

“Agora, portanto, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus” (v. 1).

Ele antecipa uma leitura equivocada que poderia surgir: alguém poderia pensar que a graça em Cristo elimina a Lei ou torna sua obediência desnecessária. Paulo esclarece imediatamente que a libertação é da condenação, não da Lei em si.

No versículo 2, ele afirma que a “lei do Espírito da vida em Cristo Jesus me livrou da lei do pecado e da morte”, estabelecendo contraste entre a Lei condenatória da carne e a Lei libertadora do Espírito. Aqui, a estratégia de Paulo é semelhante à de Romanos 7: mostrar o problema (a incapacidade da carne de cumprir a Lei) e indicar que a solução não é a abolição da Lei, mas a ação do Espírito que cumpre a justiça da Lei em nós.

 

2. A Lei não é anulada, mas cumprida pelo Espírito (8.5–11) 

·        Paulo descreve a vida segundo a carne versus a vida segundo o Espírito (v. 5–8).

·        A vida na carne não cumpre a Lei; já a vida no Espírito realiza aquilo que a Lei exige.

Paulo afirma que “os que vivem segundo o Espírito, a mente está voltada para o Espírito, e a mente voltada para a carne é morte” (v. 6).

Aqui, ele antecipa a objeção: se a obediência à Lei é impossível para a carne, então a Lei seria inútil? Paulo responde que a Lei não é inútil; pelo Espírito, a justiça da Lei é cumprida no crente. Assim, a Lei mantém sua função normativa e espiritual, mas sua eficácia é agora internalizada pelo Espírito Santo.

 

3. A vitória da vida em Cristo e a continuidade da Lei (8.12–17)

 Paulo reforça que somos “obrigados, não à carne, mas ao Espírito” (v. 12–13).

·        A obediência à Lei, antes impossível na carne, agora é possível na vida guiada pelo Espírito.

·        A Lei continua sendo o padrão de justiça, mas sua realização depende do Espírito, que transforma o crente de dentro para fora (v. 14–17).

 Ele antecipa a leitura errada dos desigrejados: poderiam alegar que a obra do Espírito torna a Lei dispensável. Paulo refuta implicitamente: a Lei não é abolida; ela é cumprida plenamente no homem interior, não mais como condenação, mas como expressão da vida no Espírito.

 

4. A obra do Espírito e a função contínua da Lei (8.18–30)

 Paulo expande o contexto mostrando que toda a criação espera a revelação dos filhos de Deus (v. 19–21).

·        A redenção do corpo e da criação confirma que a Lei, como norma de santidade, não foi abandonada, mas será plenamente realizada na consumação da redenção.

·        O Espírito que habita no crente garante a obediência e transformação (v. 23–30), evidenciando que a Lei permanece boa, santa e desejável, agora internalizada e vivida em conformidade com Cristo.

 

5. Síntese teológica

 

  • Antecipação de objeções: Paulo sabe que a promessa da libertação em Cristo poderia ser mal interpretada como anulação da Lei.
  • Refutação implícita: Ele mostra que a Lei não é abolida, mas cumprida pelo Espírito, que capacita o crente a obedecer de modo genuíno.
  • Benefício da Lei: A Lei revela o pecado, guia o crente e encontra seu cumprimento na vida transformada pelo Espírito.
  • Continuidade da Lei: A Lei permanece norma espiritual, agora internalizada, eficaz e vivida em liberdade, sem a condenação que antes estava ligada à carne.

 

Resumo

    Em Romanos 8, Paulo trata da libertação do crente da condenação da Lei e do pecado, tema que alguns poderiam interpretar como anulação da Lei. Entretanto, o apóstolo esclarece que a Lei não foi abolida; pelo contrário, sua função permanece válida e necessária, sendo agora cumprida pelo Espírito que habita no crente (v. 2–4). A obediência à Lei, antes impossível na carne, torna-se possível na vida guiada pelo Espírito (v. 5–11, 12–17), evidenciando que a Lei continua santa e boa, não como instrumento de condenação, mas como norma espiritual internalizada e vivida. Paulo antecipa, assim, a objeção dos críticos, mostrando que a liberdade em Cristo não dispensa a Lei, mas permite que ela alcance plenamente seu propósito de santificação e conformidade à vontade de Deus.

 

 

Nota explicativa para o termo “eixegese

 O termo eixegese é utilizado como neologismo para designar uma leitura bíblica ou teológica em que o intérprete não se limita ao sentido original do texto, mas projeta sobre ele suas próprias ideias, pressupostos ou contextos contemporâneos.

 

Diferença em relação à exegese:

Exegese: extrair do texto o que o autor quis comunicar, considerando contexto histórico, gramatical e literário.

 Eixegese (ou eiségese): inserir no texto uma interpretação alheia ao seu sentido original, moldando-o às preferências, ideologias ou sentimentos do leitor.

  Importância do termo:

O uso de eixegese serve como advertência hermenêutica: quando se abandona a exegese, corre-se o risco de transformar a Bíblia em um reflexo das próprias opiniões, em vez de deixar que ela fale por si mesma.