Você chega em casa e encontra, sobre a mesa, um belo bolo de
chocolate, com cobertura de lascas de chocolate meio amargo, cerejas e um
suculento recheio de brigadeiro. Naturalmente, começa a se perguntar como
aquele bolo foi parar ali. A partir disso, você desenvolve duas teorias.
Na primeira, você imagina que um caminhão de supermercado
descia a rua em alta velocidade. De repente, um cachorro atravessa seu caminho.
Para não atropelá-lo, o motorista dá um brusco golpe no volante, fazendo o
caminhão capotar. Durante as cambalhotas, os ovos que estavam no baú se
quebram, misturam-se com a farinha de trigo, que também se espalha, tudo na
quantidade exata da receita. Os litros de leite se derramam na proporção ideal,
e o mesmo acontece com o chocolate em pó, o açúcar e o fermento. No meio do
caos, essa mistura acaba caindo dentro de uma forma de bolo que, por
coincidência, também estava no caminhão. Logo após, o caminhão explode e, com o
calor, a massa assa.
Quando os bombeiros chegam e apagam o fogo, uma barra de
chocolate meio amargo derretida cai sobre o bolo, seguida das cerejas de um vidro
que se quebrou no acidente. Um dos bombeiros encontra a forma com o bolo
exatamente em frente à porta da sua casa. Por achar que pertence a você, ele
pega o bolo e o coloca em cima da sua mesa.
Essa é a primeira teoria.
A segunda teoria que você considera é bem mais simples:
alguém que conhece a receita, sabe as quantidades corretas, domina o método de
preparo, fez o bolo, confeitou com cuidado e, depois de pronto, o deixou na sua
mesa.
Qual das duas teorias é mais plausível?
Qual é a mais racional e lógica?
Obviamente, a segunda. A ideia de que alguém
intencionalmente preparou o bolo é infinitamente mais coerente do que supor que
uma sequência improvável de acidentes aleatórios gerou aquela iguaria com
perfeição. A primeira teoria, por mais detalhada e cheia de coincidências que
seja, é absurda.
E, no entanto, é justamente esse o tipo de lógica adotado
por quem defende que o mundo e a vida surgiram por acaso — fruto de incontáveis
coincidências acumuladas ao longo do tempo (Diga-se da Teoria da Evoluçao, Big,
Bang e outras páreas). Ainda assim, ironicamente, são os que creem em uma
narrativa planejada e inteligente da origem de todas as coisas que costumam ser
chamados de irracionais.
A RAZÃO DOS ANTIGOS
Essa percepção de ordem e intenção na origem de tudo não é
novidade entre os que buscam a verdade. Filósofos como Platão e Aristóteles, mesmo sendo gregos e rodeados por narrativas mitológicas acerca da cosmogonia, não
concebiam um mundo surgido ao acaso. Para eles, a harmonia e a regularidade
expressas nas leis da natureza apontavam para algo maior — para um princípio
racional, para uma Causa Primeira, um Logos, ou como Aristóteles dizia, um
Motor Imóvel. Onde há leis, pressupõe-se um Legislador; onde há ordem, existe
propósito. O caos não gera beleza funcional.
ORDEM, PROGRESSÃO, PROPÓSITO
Contudo, ao olharmos para a narrativa da Criação descrita em
Gênesis, vemos exatamente o oposto da aleatoriedade: há ordem,
intencionalidade, progressão e propósito. Tudo segue uma sequência lógica e
funcional, com cada parte preparando o ambiente para a próxima. É uma estrutura
de planejamento — e não de acidente. A natureza não apenas funciona com
harmonia, mas exige uma base precisa para existir como é: leis físicas
ajustadas com exatidão, ciclos interdependentes, estruturas biológicas
interligadas.
Negar a lógica de um Criador inteligente em favor do acaso
absoluto é como acreditar que um bolo nasceu de um desastre.
NATURALISMO ANTIGO: AS RAÍZES FILOSÓFICAS DO ACASO
Contudo, a ideia de que a vida poderia ter surgido sem
propósito também não é nova. Muito antes de Darwin, alguns filósofos
naturalistas da Grécia Antiga propuseram hipóteses semelhantes às que hoje
sustentam a teoria da evolução:
- Tales de Mileto (c. 621–543 a.C.) propôs que a água era o
princípio de tudo, e que os processos naturais, e não divinos, originaram o
mundo.
- Anaximandro (c. 610–547 a.C.), seu discípulo, acreditava que
tudo se formou a partir de quatro elementos (terra, água, ar e fogo), derivados
de um princípio indefinido chamado apeiron. Ele também sugeriu que os seres
vivos evoluíram por transformações graduais.
- Empédocles (c. 492–430 a.C.) foi mais explícito: afirmou que
os organismos se formaram separadamente e sobreviveram aqueles que estavam mais
bem adaptados — uma ideia ancestral da chamada seleção natural.
- Leucipo e Demócrito (séc. V a.C.) defenderam que tudo é
composto por átomos em movimento no vazio. Embora Leucipo reconhecesse ordem e
necessidade (“nada acontece por acaso”), o foco da escola atomista era explicar
a realidade de forma puramente material e mecânica.
Esses pensadores lançaram as bases filosóficas do
naturalismo que séculos depois seriam retomadas, secularizadas e popularizadas
por Darwin.
A lógica nos mostra que quando há design, complexidade,
simetria e funcionalidade, há também inteligência por trás. A verdadeira
irracionalidade está em não reconhecer o óbvio: há um Autor por trás da
receita.
Obras primárias
Platão
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Timeu
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Principal obra onde Platão descreve a criação do mundo por um "demiurgo" (artesão divino), que organiza o caos conforme a razão e a ordem.
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Tradução: Platão. Timeu, edições Loyola ou Martins Fontes.
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República (especialmente Livro VI e VII)
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Aqui Platão introduz a ideia do "Bem" como causa suprema de tudo o que é bom e racional, e fala da "alma do mundo".
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Tradução: Platão. A República, edições Nova Cultural, Vozes ou Martins Fontes.
Aristóteles
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Metafísica (Livros VII, VIII e XII são centrais)
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Fala sobre o "Motor Imóvel", a causa primeira de todo movimento e ordem no universo.
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Tradução: Aristóteles. Metafísica, edições Abril Cultural (Os Pensadores) ou Loyola.
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Física (especialmente Livro II)
Tales de Mileto
Tales não deixou obras escritas conhecidas, mas seus pensamentos foram preservados por autores posteriores.
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Fonte indireta:
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Os pré-socráticos – Giovanni Reale e Dario Antiseri (Ed. Loyola)
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Diels & Kranz – Fragmentos dos Pré-Socráticos (edição crítica alemã traduzida em várias línguas)
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História da Filosofia Ocidental – Bertrand Russell, Vol. 1 (L&PM ou Ediouro)
Anaximandro de Mileto
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Obras indiretas:
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Fragmentos em:
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Diels & Kranz – Die Fragmente der Vorsokratiker
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Os Pensadores – Pré-Socráticos (Ed. Abril Cultural)
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A Origem da Filosofia – Gerd A. Bornheim (Ed. Vozes)
Empédocles de Agrigento
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Obras (fragmentos):
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Empédocles: On Nature and the Sacred – tradução e comentários de Brad Inwood (inglês)
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Os Pensadores – Pré-Socráticos (Ed. Abril Cultural)
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Giovanni Reale – História da Filosofia Antiga, Vol. 1 (Ed. Loyola)
⚛️ Leucipo e Demócrito
Obras secundárias
Frederick Copleston – História da Filosofia, Vol. 1: Grécia e Roma
- Excelente introdução com comentários sobre a concepção platônica e aristotélica de ordem no cosmos. Editora: Edições Paulinas.
Étienne Gilson – O Espírito da Filosofia Medieval
Alvin Plantinga – Where the Conflict Really Lies: Science, Religion, and Naturalism
- Embora mais moderno e voltado ao cristianismo, Plantinga mostra como o raciocínio teleológico tem raízes antigas, inclusive em Aristóteles. Editora: Oxford University Press.