O crente, mingau de fubá e ora-pro-nobis
“...fui moço e já,
agora, sou velho, porém jamais vi o justo desamparado, nem a sua descendência a
mendigar o pão”. Salmos 37:25
Nascer
em berço de ouro, ou deitado em berço esplêndido, não é tanto privilégio, mas
constitui em um peso. Depois de viver cerca de oito anos em um berço assim,
como o da expressão, conheci outra realidade, a inversa. Até esta idade eu
poderia ir à geladeira, vermelha, FRIGIDAIRE, e tirar dali o que me desse
vontade de comer. Caso ali não tivesse, era somente dizer e tão logo pudessem,
meus pais providenciavam o que era desejo.
Aparece
uma estranha na história, uma separação acontece e o mundo conhecido se torna pesadelo.
De tudo que eu antes quisesse e podia comer, agora, desejava, mas nem o básico
havia. A mãe tinha de dar aulas os três turnos para completar a parca
aposentadoria de minha avó. E, mesmo
assim, o dinheiro só chegava até o dia vinte de cada mês, isso quando rendia
muito, pois a inflação daquele tempo era assombrosa. Dali por diante: café,
pão, leite, carne de qualquer espécie não era mais visto nem na geladeira, que
de tão ruim que estava naqueles dias só
ficava fechada com uma vassoura apoiando a porta ao pé de uma cadeira, muito
menos as iguarias eram vistas no prato. Depois só no dia cinco do próximo mês.
Não
me lembro de minha avó, que morava conosco, ter se queixado uma vez sequer de
nossa condição. Pelo contrário, estava sempre assentada na cadeira de balanço, enxergando
pouquíssimo com aquelas lentes feitas de “fundo de garrafa”, cantarolando os
hinos do Cantor Cristão. Quando queria ler a Bíblia, pedia que eu o fizesse, e
me direcionava a um culto doméstico.
Foi
um “cem número de vezes” que entre os dias vinte e um e cinco de cada mês, que
é quando o dinheiro reaparecia em casa, que não tínhamos nada o que comer; almoço, ou jantar eram sem quaisquer perspectivas. Mas também, igualmente,
nunca deixamos de comer algo. Quantas foram as vezes que pensando o que
comeríamos, a campainha soava, abríamos a porta, e era um parente, ou irmão,
crente, que chegava com uma cesta básica, frutas, verduras, carne, leite e pão.
S.D.G.
A degradação do evangelho, com a teologia da
prosperidade, causou um reboliço nas igrejas, infelizmente também nos crentes,
no que diz respeito à mordomia cristã. Uma maneira fácil de fugir dessa
responsabilidade é olhar para o texto de 1 João 3.17 e dizer que tal texto não
se aplica a x ou a y livrando-se do peso, ou que tal texto aponta especificamente para um que viva em “berço esplêndido”. Se o necessitado é de uma denominação neopentecostal, ouve que ele não
pode passar necessidade, que isso não é coisa de crente; mas quando dá o “investimento”
pedido pelo “pastor” para que ele receba a benção e ele não recebe, ele ouve
que é crente de pouca fé. E se é de igreja tradicional, pode até receber ajuda,
mas acaba sendo tido como aproveitador e cerram-lhe as portas em pouco tempo.
O
que fazer, então, em caso de necessidade? Dar o grito e ter uma das duas
possibilidades acima como resultado, ou outra similar? Creio que não. Devo aprender
com minha avó: confiar que Deus está no comando, cantarolar contente louvando a
Deus, por que Ele tem conduzido a história para sua própria glória, crendo de
fato que a “descendência do justo não mendigará o pão”; mesmo que, para tanto,
tenha de recorrer ao mingau de fubá com ora-pro-nobis, que era “praga” no
quintal de casa, que fazíamos quando o dinheiro do mês acabava e a cesta não chegava. E ainda devo acrescentar: "...ora pro nobis".
Rev. Júlio Pinto
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