A expressão popular “fio de ouro” remete a uma linha lógica entre pontos, aparentemente separados, mas que, de fato, estão conectados entre si. E, quando colocamos o título desse texto como sendo “O FIO DE OURO DA SANTIFICAÇÃO”, nossa proposta quanto ao cerne do texto é clara. Trata-se de mostrar a linha de pensamento dos autores bíblicos sobre o que significa, de onde vem e para onde vai o ensino da Palavra sobre a doutrina da “santificação”.
Assim como todos os outros temas e doutrinas, a Escritura
possui um fio de ouro que conecta todos os textos pertinentes ao mesmo assunto.
Sem analisar todo o contexto bíblico sobre o tema, é analisá-lo sobre um
fundamento desequilibrado, incompleto que, por fim, pode tornar a conclusão em
heresia, ao invés de uma doutrina bíblica.
Essa continuidade entre Antigo e Novo Testamento não deve
ser vista como simples linha divisória, mas como um fluxo contínuo de revelação
divina, no qual a plenitude da verdade em Cristo encontra suas raízes e
fundamentos nas Escrituras veterotestamentárias. A doutrina, portanto, não é
mera abstração ou construção teórica; é o ensino sólido e prático da Palavra
que orienta a vida do crente, fornecendo princípios claros para conduta,
adoração e santificação. É exatamente nesse sentido que a análise cuidadosa de
todo o contexto bíblico se torna indispensável: compreender o AT à luz do NT, e
vice-versa, nos permite estabelecer fundamentos doutrinários que refletem a
coerência, a suficiência e a aplicação prática da revelação de Deus em todas as
eras.
Para nós cristãos que vivemos após a ressurreição de Cristo,
não podemos olhar textos isoladamente do Antigo Testamento, isso configura uma
quebra na própria perspectiva de Cristo e dos apóstolos quanto à inteireza,
suficiência e inerrância da Escritura, como diz Paulo: “Toda Escritura é
inspirada...” e não apenas o AT, ou apenas os versículos que me são
convenientes aos meus anseios. E toda ela é “...útil para o ensino, para
repreensão, para educação na justiça, a fim de que o homem seja perfeito e
perfeitamente habilitado para toda boa obra.”
Desta maneira o fio precisa ser coerente com a Teologia
Bíblica presente tanto no AT, quanto no NT, salvaguardando-nos das diferenças
com o aprimoramento da Aliança afirmado por Cristo quando disse: “Este cálice é
o sangue da Nova Aliança”. Comecemos por aqui.
A “Nova Aliança” nunca se tratou de uma afirmação que a
Antiga deixou de existir. Mas que a Nova foi construída pela base, pela
essência da Antiga. O termo grego para a palavra “Nova” é claro em seu sentido.
“Nova” é καινος (kainos) que não define como algo novo, no sentido de
inédito, nunca visto antes. Mas o sentido é de algo já conhecido, mas agora
apresentado sob nova forma.
Então a Nova Aliança em Cristo não se trata de um extermínio
total da Antiga Aliança, mas que essa foi construída nas bases da Antiga. Na
prática isso é apontado em vários textos vistos no Novo Testamento. Tanto de
palavras proferidas por Cristo, quanto pelos apóstolos.
E, quando falamos de doutrinas, qualquer que seja, oriundas
do Novo Testamento, elas possuem seu fundamento no AT, mesmo que elas não possuam
a mesma forma nas quais eram executadas naquele tempo antigo.
A doutrina da santificação não foge à regra e por isso
iremos partir da santificação vista no NT indo em direção ao Antigo para
encontrar seu fundamento. Muitas das vezes a conexão, o fio de ouro, das
doutrinas é direto com o AT em determinados textos, outros casos não.
Antes de trazermos um versículo que aplique e nos mostre o
sentido de Santo e de Santificação vamos trabalhar um pouco a partir das
línguas originais.
No Antigo Testamento
A palavra principal é קָדוֹשׁ (qādôš), da raiz קדש (qāḏash),
que significa “separar, consagrar”. O sentido primário é algo ou alguém
colocado à parte para Deus, distinto do comum ou profano.
Alguns exemplos:
·
Deus é santo por ser absolutamente distinto e
separado do pecado (Is 6.3: “Santo, Santo, Santo é o Senhor dos Exércitos”).
·
Objetos e lugares são santos quando separados
para uso exclusivo no culto (Êx 29.37).
·
O povo é chamado de santo porque foi separado
por Deus dentre as nações (Lv 20.26).
Portanto, no AT, “santo” significa separado para Deus,
distinto do uso comum e refletindo a pureza do próprio Deus.
No Novo Testamento
A palavra central, a mais usada no grego, é ἅγιος (hágios),
que herda a ideia do hebraico qādôš; cujo sentido primário é consagrado,
distinto, dedicado a Deus.
Algumas aplicações no NT:
·
Deus: Ele é o Santo por excelência (Jo 17.11; 1
Pe 1.16).
·
Cristo: chamado de “o Santo de Deus” (Mc 1.24;
At 3.14).
·
Crentes: não apenas como “separados”
(posicionalmente em Cristo), mas também chamados a viver de modo puro e
irrepreensível (Ef 1.4; 1 Ts 4.7).
Assim, no NT, hágios mantém a ideia veterotestamentária de separação para Deus, mas ganha um sentido mais pleno: participação na vida de Deus por meio de Cristo e transformação prática pelo Espírito. E vejamos como Deus trata essa questão do “ser santo”, “santidade” e “santificação” mostrando o fio de ouro a partir no NT.
Mas afinal o que é ser santo e o que é o processo de
santificação? Pedro é direto na definição. “...pelo contrário, assim como é
santo aquele que os chamou, sejam santos vocês também em tudo o que fizerem;
porque está escrito: Sede santos, porque eu sou santo.” (1 Pedro 1.15-16).
Aqui, o Novo Testamento define santidade como refletir o
caráter de Deus em toda a conduta. Não é apenas posição (separados em Cristo),
mas prática; é viver a vida conforme a santidade de Deus. Pode se questionar a
impossibilidade para qualquer homem, sim, podemos; mas isso não implica em ser
uma impossibilidade real. Falaremos sobre isso na conclusão.
Outros textos nos ajudam a aprofundar um pouco mais nessa
definição.
1.
Separação em Cristo: “à igreja de Deus que
está em Corinto, aos santificados em Cristo Jesus, chamados para serem
santos...” (1 Coríntios 1.2). Aqui a santidade é identidade: em Cristo, o
crente já é separado para Deus.
2.
Transformação moral e prática vista em Efésios
1.4: “assim como nos escolheu nele antes da fundação do mundo, para sermos
santos e irrepreensíveis diante dele em amor.” Santidade, então, é viver de
modo coerente com o propósito eterno de Deus.
3.
Separação do pecado vista em 2 Coríntios 7.1: “purifiquemo-nos
de toda impureza da carne e do espírito, aperfeiçoando a santidade no temor de
Deus.” Esse texto nos mostra a santidade como sendo um processo: afastar-se da
impureza e crescer no temor do Senhor. Esse processo é que se define por
santificação.
Paulo apresenta em Romanos o mesmo que em sua carta aos
Coríntios, mas o faz com palavras diferentes, mas preservando o mesmo sentido.
Ele apresenta a santificação como um processo, e a santidade como sendo o
estado de consagração do corpo e da
vida: “...apresentem o corpo de vocês como sacrifício vivo, santo e
agradável a Deus...” (Romanos 12.1).
Santidade se expressa em entregar toda a vida como culto a Deus.
Já em 1 Tessalonicenses 4.3, lemos: “pois esta é a
vontade de Deus: a santificação de vocês, que se abstenham da imoralidade
sexual.” Aqui fica claro que santidade não é conceito abstrato, mas prática
concreta quando Paulo usou a questão do comportamento sexual como exemplo.
Desta maneira, voltemos mais uma vez ao texto de Pedro. “...pelo
contrário, segundo é santo aquele que vos chamou, tornai-vos santos também vós
mesmos em todo o vosso procedimento, porque escrito está: Sede santos, porque
eu sou santo.” (1 Pedro 1:15-16). Esse texto nos aponta diretamente para
uma direção clara. Ele diz: “Está escrito”. Essa direção dada por Pedro
mostra tanto o motivo quanto a fonte pela qual devemos ser “santos”. Pedro não
está trazendo um novo ensino, numa Nova Aliança. Pedro está nos dando a base, o
fundamento da Nova Aliança, que nos capacita a sermos santos como Deus “...em
todo nosso procedimento.” E esta base para santificação na Nova
Aliança não está no Novo Testamento.
A fala de Pedro é uma citação direta de três versículos do
AT.
Levítico 11:44-45 “Eu sou o SENHOR, vosso Deus; portanto, vós vos consagrareis e sereis santos, porque eu sou santo; e não vos contaminareis por nenhum enxame de criaturas que se arrastam sobre a terra. Eu sou o SENHOR, que vos faço subir da terra do Egito, para que eu seja vosso Deus; portanto, vós sereis santos, porque eu sou santo.”
Levítico 19:2 Fala a toda a congregação dos filhos de Israel e dize-lhes: Santos sereis, porque eu, o SENHOR, vosso Deus, sou santo.
No contexto desse último versículo, Deus fundamenta o
ordenamento para que seu povo seja santo, por que Ele é santo. Mas Deus não
deixou seu povo sem orientação de como eles poderiam fazer tal coisa. É
importante lembrar nesse ponto que a santificação ocorre como um processo
depois de um ato único e pontual na vida do crente que é a justificação. Essa
ato jurídico da parte de Deus retira do ímpio todo o peso que o tornava culpado
perante a Lei de Deus.
Certamente não estamos falando da Lei com respeito aos sacrifícios
e rituais, mas da Lei que aponta, define o que é pecado, define aqueles atos
imorais, próprios do homem, desde a queda e são consequência da corrupção
interna do coração e da herança espiritual genética passada a todos os homens.
Por isso Deus mostrou que para ser santo como Ele, aqueles
justificados, poderiam cumprir a Lei como resposta de amor Àquele que retirou
de sobre eles, seus escolhidos, a culpa que os colocaria no inferno. Como eles,
poderiam fazer isso? Para visualizarmos facilmente o contexto de Levítico,
Êxodo e o texto de Pedro, passo a seguinte tabela comparativa.
Tabela comparativa – Levítico 19, Êxodo 20 e 1 Pedro 1.16
Êxodo 20 – Os Dez Mandamentos |
Levítico 19.3-34 – Aplicações
práticas dos Dez Mandamentos |
1 Pedro 1.16 – Santidade em
Cristo |
1º – Não terás outros deuses
(20.3) |
“Não vos vireis para os ídolos”
(19.4) |
Santidade = exclusividade a Deus. |
2º – Não farás imagens (20.4) |
“Não vos fareis deuses de
fundição” (19.4) |
Separação da idolatria,
consagração a Cristo. |
3º – Não tomarás o nome em vão
(20.7) |
“Não jurareis falso pelo meu nome”
(19.12) |
Santidade inclui reverência na
palavra. |
4º – Lembra-te do sábado (20.8-11) |
“Guardareis os meus sábados”
(19.3, 30) |
Santidade no tempo consagrado a
Deus. |
5º – Honra pai e mãe (20.12) |
“Cada um respeitará a sua mãe e o
seu pai” (19.3) |
Santidade no lar, expressão de
amor obediente. |
6º – Não matarás (20.13) |
“Não atentarás contra a vida do
teu próximo” (19.16) |
Santidade preserva a vida e
promove amor. |
7º – Não adulterarás (20.14) |
“Não contaminarás a tua filha...
não prostituirás” (19.29) |
Santidade na pureza sexual. |
8º – Não furtarás (20.15) |
“Não furtareis, nem oprimireis”
(19.11,13) |
Santidade no trato justo com o
próximo. |
9º – Não dirás falso testemunho
(20.16) |
“Não mentireis... nem
mexeriqueiro” (19.11,16) |
Santidade no falar íntegro. |
10º – Não cobiçarás (20.17) |
“Não te vingarás, nem guardarás
ira... amarás o teu próximo como a ti mesmo” (19.18) |
Santidade no coração, vencendo
cobiça e ódio. |
Princípio de adoração |
Sacrifícios santos, ofertas
corretas, justiça social, amor ao estrangeiro, cuidado com pobres e
vulneráveis (19.5-10, 32-34) |
Santidade prática que reflete o caráter de Deus. |
Levítico 19 mostra que a santidade não é uma abstração, mas
a vida inteira orientada pela Lei do Senhor. Os Dez Mandamentos são o
fundamento; Levítico traz aplicações concretas no dia a dia: família, trabalho,
justiça, misericórdia, culto. Pedro, ao citar “sede santos, porque eu sou
santo” (1Pe 1.16), relembra que a santidade não é apenas separação ritual, mas
adoração amorosa àquele que nos justificou em Cristo.
Ser santo, portanto, é amar a Deus de forma exclusiva (primeiros
mandamentos) e amar ao próximo de modo justo e compassivo (últimos
mandamentos). A Lei não é peso, mas expressão de gratidão e culto; é resposta
daqueles que foram libertos pela graça. No AT, a santidade moldava o povo
redimido do Egito; no NT, molda a Igreja redimida pelo sangue de Cristo.
Ao lermos a Lei de Deus, especialmente em livros como Êxodo,
Levítico e Deuteronômio, percebemos que os mandamentos dados ao povo de Israel
aparecem de forma entrelaçada: normas sobre o culto, orientações sociais e
princípios morais caminham lado a lado. A Escritura não faz uma divisão formal
entre “lei cerimonial, civil e moral”. Essa categorização, portanto, não é
encontrada nos próprios textos bíblicos.
No entanto, a distinção entre esses aspectos é clara quando
observamos a natureza de cada mandamento. Alguns regulavam o culto e os ritos
sacrificiais (leis cerimoniais), outros tratavam da ordem comunitária de Israel
como nação (leis civis), e outros expressavam a vontade, a essência moral de
Deus, a partir de princípios válidos para todos os tempos (leis
morais/espirituais).
Os termos técnicos que usamos hoje. “cerimonial, civil e
moral”, foram adotados por teólogos ao longo da história para facilitar a
compreensão e a organização didática da Lei, sem criar categorias artificiais,
mas simplesmente reconhecendo diferenças que já estão descritas na própria
Palavra. Essa classificação ajuda a visualizar como a Lei apontava para Cristo
em seu aspecto cerimonial, regulava a justiça em seu aspecto civil, e permanece
como norma de vida em seu aspecto moral.
Dessa forma, ao observarmos a Lei, conseguimos identificar
seus diferentes aspectos sem fragmentá-la, mas reconhecendo sua riqueza e
profundidade. O quadro a seguir apresenta exemplos de leis cerimoniais, civis e
morais/espirituais, de modo a ilustrar como esses três aspectos aparecem na
Escritura. Essa distinção nos ajuda a perceber a unidade da Lei e, ao mesmo
tempo, sua diversidade de aplicações: tudo aponta para a santidade de Deus e
para a vida de adoração e amor que Ele requer do Seu povo.
Quadro comparativo das Leis
Leis Cerimoniais (culto e
ritos) |
Leis Civis (vida social e
justiça) |
Leis Morais/Espirituais
(princípios permanentes) |
1. Sacrifício pacífico oferecido
de modo correto (Lv 19.5-8). |
1. Não reter o salário do
jornaleiro até pela manhã (Lv 19.13). |
1. Honrar pai e mãe (Lv 19.3; Êx
20.12). |
2. Guardar os sábados como sinal
da aliança (Lv 19.3, 30). |
2. Deixar rebuscos da colheita
para o pobre e estrangeiro (Lv 19.9-10). |
2. Não ter outros deuses diante de
Deus (Êx 20.3). |
3. Reverenciar o santuário (Lv
19.30). |
3. Não oprimir o estrangeiro (Lv
19.33-34). |
3. Não fazer imagens ou ídolos (Lv
19.4; Êx 20.4). |
4. Comer frutos da árvore só no
tempo certo (Lv 19.23-25). |
4. Julgar com justiça, sem
favorecer rico ou pobre (Lv 19.15). |
4. Não tomar o nome de Deus em vão
(Lv 19.12; Êx 20.7). |
5. Proibição de comer sangue (Lv 19.26). |
5. Respeitar os idosos (Lv 19.32). |
5. Amar o próximo como a si mesmo (Lv 19.18). |
6. Proibição de práticas adivinhatórias
(Lv 19.26, 31). |
6. Não amaldiçoar o surdo ou pôr
tropeço diante do cego (Lv 19.14). |
6. Não furtar (Lv 19.11; Êx
20.15). |
7. Não cortar o cabelo em formato
ritualístico (Lv 19.27). |
7. Proibição de vingar-se ou
guardar ódio (Lv 19.18). |
7. Não adulterar (Lv 19.29; Êx
20.14). |
8. Não ferir o corpo por causa dos
mortos (Lv 19.28). |
8. Não andar como mexeriqueiro
entre o povo (Lv 19.16). |
8. Não matar (Lv 19.16; Êx 20.13). |
9. Ofertas santas do fruto da
terra (Lv 19.24). |
9. Proibição de injustiça nos
pesos e medidas (Lv 19.35-36). |
9. Não levantar falso testemunho
(Lv 19.11,16; Êx 20.16). |
10. Animais não cruzarem com
espécies diversas (Lv 19.19) – símbolo de separação. |
10. Regular relações sociais e
servos (Lv 19.20-22). |
10. Não cobiçar (Êx 20.17;
aplicado em Lv 19.18 pela proibição da vingança e ira). |
Dessa forma, vemos que a distinção entre os aspectos civil, cerimonial e moral da Lei nos auxilia a compreender a continuidade e a descontinuidade da revelação divina. As dimensões civis e cerimoniais foram dadas especificamente a Israel, como povo da aliança, delimitando sua vida social e seu culto tipológico. Cristo, ao cumprir perfeitamente a Lei, aboliu em sua carne os mandamentos que faziam separação ritual (Ef 2.14-15), encerrando os sacrifícios e cerimônias que apontavam para sua obra consumada. Do mesmo modo, a legislação civil tinha sua aplicação no contexto teocrático da nação israelita, e não se estende como obrigação direta à Igreja.
Entretanto, a Lei moral permanece inalterada, porque não se
fundamenta em símbolos temporários ou em arranjos políticos transitórios, mas
no próprio caráter de Deus, que é imutável. O chamado à santidade: “sede
santos, porque eu sou santo” (Lv 19.2; 1Pe 1.16) é a essência da vida do povo
de Deus em todas as eras. Por isso, ainda que os rituais e as normas civis
tenham cumprido seu papel pedagógico e cessado em Cristo, a exigência da
santificação jamais caduca. O Espírito Santo, dado à Igreja, não elimina a Lei,
mas a escreve no coração (Jr 31.33; Hb 8.10), capacitando-nos a obedecer não
como servos temerosos, mas como filhos agradecidos.
Assim, enquanto a obra de Cristo nos dispensa das sombras e
ordenanças próprias do culto judaico e da vida civil de Israel, ela intensifica
o peso e a beleza da santidade moral. Não se trata de legalismo, mas de amor
obediente àquele que nos justificou. A Lei moral, longe de ser anulada, é
iluminada e aprofundada na Nova Aliança (nova forma), de modo que todo aquele
que foi salvo pela graça é também chamado a viver em santificação; não para
alcançar a salvação, mas como fruto inevitável da verdadeira redenção.
Conclusão.
Ao examinarmos a revelação de Deus, percebemos que a
santificação não é um conceito abstrato ou uma lista de obrigações, mas o fio
de ouro que atravessa toda a Escritura, conectando o Antigo e o Novo Testamento
em uma única linha de propósito divino. No Sinai, Deus deu a Lei a Israel não
apenas como um conjunto de mandamentos, mas como instrumento pedagógico para
imprimir no coração do povo um temor reverente. Como Moisés declara em Êxodo
20:20, Deus veio “para vos provar, e para que o seu temor esteja diante de
vós, a fim de que não pequeis.” Esse temor é a raiz da santidade: é
o reconhecimento da santidade de Deus que afasta do pecado e orienta a vida em
obediência.
Com a obra consumada de Cristo, a santidade ganha uma
dimensão ainda mais profunda. Na oração sacerdotal de João 17:17, Ele suplica:
“Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade.” Aqui, a
santificação não se limita a evitar o pecado, mas envolve a transformação do
coração e da conduta pelo poder da Palavra de Deus e a ação do Espírito Santo.
O temor reverente do AT se transforma, no NT, em obediência amorosa,
participação na vida de Deus e conformidade com seu caráter.
Portanto, a santificação é simultaneamente posição e
processo: posição, porque em Cristo já somos separados para Deus; processo,
porque o Espírito nos molda, dia a dia, à imagem do nosso Salvador. Os Dez
Mandamentos, aplicados concretamente na vida diária em Levítico 19 e revisitados
no NT, não são meros preceitos legais, mas expressão do amor de Deus que nos
justifica e nos capacita. Honrar a Deus, amar o próximo, viver com justiça,
pureza e integridade, tudo isso é resposta natural de quem foi liberto pela
graça e chamado à santidade.
Assim, desde o Sinai até a cruz, desde Êxodo 20 até João 17,
percebemos que Cristo cumpriu plenamente a Lei civil e cerimonial em nosso
lugar, encerrando os sacrifícios, ritos e normas civis que estavam ligados à
antiga aliança. Entretanto, a graça de Deus não nos exime da necessidade da
santificação; pelo contrário, ela a torna possível e indispensável. Como Jesus
afirma em João 17:17, somos santificados pela verdade, que em seus dias era uma
referência direta e clara à Escritura do Antigo Testamento - “...a tua Palavra é a verdade...”. Pedro
confirma essa realidade em 1 Pedro 1:16, chamando os crentes à santidade: “Sede
santos, porque eu sou santo.” Assim, a santificação não é apenas um ideal, mas
o chamado prático e contínuo de Deus para aqueles que foram justificados, sendo
separados e moldados pela Palavra que revela seu caráter santo.
Viver em santidade não significa estar livre do pecado,
assim como ser santo não equivale a ser perfeito. Ser santo refere-se a todos
aqueles que buscam o ideal revelado em Cristo e em Deus: “Sede santos como Eu
sou santo” e “...os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho...”.
Os santos são aqueles que, dia após dia, lutam contra o pecado em suas vidas,
guiados pela Palavra e pelo Espírito, crescendo continuamente na semelhança de
Cristo.
“Se me amais, guardareis os meus mandamentos” (Jo 14:15)
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