domingo, 29 de maio de 2011

O que estou fazendo aqui?

Quantos comentários, críticas já ouvi a meu respeito e também a respeito de minha esposa, sobre o que estamos fazendo aqui, no interior do Pará. O que faço aqui em um lugar onde a lei é opcional para os governantes, para a polícia, e também para o judiciário, a menos que se queira mostrar serviço, ou quando são cobrados. Aqui não existe lei do silêncio, não existe policiamento à noite. Quando ligamos para o telefone no plantão 190, ou para o número do telefone fixo da PM, é desligado na nossa cara, principalmente se a ligação é entre 00:00 e seis da manhã. Afinal de contas o plantonista tem de dormir, não é mesmo?
O que estou fazendo em um lugar onde a internet é precária, o telefone só funciona quando quer? Não se tem transporte urbano de qualidade, apenas alguns poucos circulam por aí deixando, por vezes, pedaços de suas latarias quando se atolam em poças que facilmente uma criança poderia morrer afogada, ou melhor, atolada. Ou o que se diria da carne comercializada nos açougues? Todo mundo afirma que vem de um matadouro legalizado, mas é sempre longe de alguém que possa ir lá conferir. Pois também não há controle do Ministério da Fazenda nestas carnes, pois não existe o carimbo de fiscalização nelas.
O que estou fazendo aqui se possuo graduação e tenho condições e vontade de buscar outras titulações de pós, e na cidade, o máximo que existe são cursos de faculdades oportuneiras, no muito cursos de licenciatura da federal e em regime modular intensivo? Também perguntaram sobre a educação de meus filhos e me acusaram de estar negando a eles uma educação de qualidade, uma educação que lhes dê um futuro melhor, uma educação que não lhes seja tolhida a faculdade de desenvolverem-se intelectualmente com toda a possibilidade natural que possuem. Pois o que dizer de um lugar onde se ensina a escrever galinha com lh - galhinha; ou que se corrige o exercício do meu filho dizendo que a palavra é trissílabas por que tem três sílabas. Ou seja, o adjetivo concorda não com o substantivo, mas com o seu número de sílabas. Estas e outras aberrações.
O que estou fazendo aqui, em um lugar que nem mesmo existe uma especialidade médica? Que de tempos em tempos, vem um especialista e faz a consulta, ou a cirurgia em um batalhão de pessoas de uma única vez como se fossem gado sendo vacinados em uma única época do ano. Não só isso, mas o que estou fazendo em um lugar onde só há uma única clínica de atendimento e que não há uma preocupação severa quanto à higiene e até mesmo noção básica de como se transmite doenças. Como no dia em que fui até lá, ver se um pequeno corte causado por uma tesoura necessitaria de pontos. A enfermeira simplesmente tomou a seringa com anestesia e com a mesma a agulha que a outra tinha acabado de injetar em um rapaz na maca ao lado, sem pestanejar, e não acreditei quando ela fez isso, me espetou com a mesma agulha.
O que estou fazendo aqui, se tenho parentes e amigos queridos, saudosos em minha cidade natal e que eu teria a chance de fazer o mesmo que faço aqui, ou pelo menos em uma cidade mais próxima que não impossibilitaria de vê-los com mais frequência? O que estou fazendo aqui se nem mesmo posso ir ao enterro de parentes queridos que já se foram durante o tempo que aqui estou? O que faço aqui se não posso cuidar mesmo daqueles que são meus? O que estou aqui se meus filhos são insultados e ridicularizados por que são filhos de pastor, ou por que não possuem a mesma falta de educação que as outras crianças possuem e são fruto da negligência de seus pais?
Falando francamente. Existem momentos, lampejos de fraqueza, em que eu me faço a mesma pergunta e penso, “vou voltar”. São nestes momentos é que mesmo sabendo a resposta ela não me conforta, afinal sou ser humano, sou falho. Mas em outros momentos, tais como esse, percebo nitidamente a mão de Deus me guiando e me sustentando aqui nesse lugar, que nunca tinha ouvido falar e que foi difícil encontrar um mapa para localizá-lo. Percebo nitidamente olhando para trás na minha história, e vejo como Deus traçou e aplainou todo o caminho para que aqui eu chegasse. Vejo também nesse passado, como Deus cuidou de minha saúde e de minha família para que aqui estivéssemos. No retrovisor da história percebo claramente Deu s me sustentando desde pequeno até mesmo naqueles dias em que pensávamos que não iríamos jantar ou almoçar, ou tomar o café da manhã, ou os três e Deus na sua divina providência nunca permitiu que nada nos faltasse. Vejo claramente vários momentos em que a minha vida foi posta em risco em acidentes que foram evitados, acidentes que foram minimizados e que oportunizaram a minha chegada aqui, tudo já embarcado pela providência divina.
Começo a olhar para esse lugar, onde Deus caprichou na exuberância da natureza, onde a lei é falha, mas também há tranquilidade para se criar os filhos mesmo diante de adversidades. Olho para este lugar e vejo um povo carente de conhecimento da Palavra de Deus, e não falo de um conhecimento da Palavra esdrúxulo como se vê por aqui, completamente distorcida, acrescentada, ou diminuída. Mas existem também vários momentos em que não há qualquer dúvida no coração, momentos em que me sinto completamente realizado: são os momentos em que estou evangelizando, ou os momentos em que estou expondo a Palavra de Deus e ambos se confundem. São nestes momentos que cumpro a minha vocação e que sei estar apenas fazendo o que deveria aliás, o que todo crente deveria. É aqui o meu lugar! No centro da vocação de Deus para minha vida. E sei que um dia todas estas privações e vergonhas em que eu e minha família passamos por estarmos aqui não serão esquecidas, pelo contrário, recompensadas. Pois o Senhor mesmo disse: “Então, disse Jesus a seus discípulos: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me”. (Mateus 16:24). E espero sinceramente que se um dia eu sair daqui, não seja por estes momentos de fraqueza, mas seja no momento em que tenhamos a plena certeza de que também estaremos indo conforme a Soberana e irresistível vontade de Deus para nossa vida.

Que Deus nos abençoe ricamente.

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