sábado, 31 de dezembro de 2011

Lógica, um mal necessário.


     Devem estar estranhando o título ao afirmar que a lógica se trata de um mal. No entanto, ela se torna prejudicial quando é mal utilizada, quando seu usuário não sabe como aplicá-la corretamente, ou mesmo nem sabe do que se trata. Da mesma forma, nem todo raciocínio lógico está certo. Pode-se estar perfeitamente correto na aplicação do raciocínio, mas isso não garante que o resultado seja verdadeiro — tudo depende da validade das premissas.

    Geralmente, um argumento lógico básico é composto por duas premissas, que se complementam ou se opõem entre si. Para todo e qualquer pensador, deixar de usar a lógica é como jogar pérolas aos porcos: desperdiça-se raciocínio, tempo e energia mental em algo que se converte em lixo cerebral.

    Toda dedução só pode partir de um pressuposto formado por raciocínio lógico, onde suas premissas precisam estar fundamentadas em “fatos” — sejam esses palpáveis ou não, como a realidade moral. Surge, então, o problema do racionalismo contemporâneo, segundo o qual já não se aceitam mais verdades absolutas, mas sim verdades cognitivas e subjetivas. Com isso, os pressupostos passam a ser construídos com base em argumentos cujos símbolos são definidos por sua utilidade, e não mais por seu significado intrínseco.

    Nesse cenário, a dedução se torna algo arbitrário, moldado ao gosto de cada indivíduo. A lógica perde sua função normativa e passa a servir às construções subjetivas do pensamento moderno, distanciando-se da coerência com uma verdade maior.

    Mas quanto ao princípio do Sola Scriptura, central na Reforma Protestante, seu objetivo era resgatar a ideia de que toda prática esperada por Deus para seus santos — incluindo a direção do culto e nossa regra de fé e conduta — deveria partir de uma única fonte de verdade absoluta: a Revelação de Deus, a Bíblia. A prática partia, portanto, de uma premissa inegociável, uma metanarrativa incontestável.

    Com esse princípio como base de ação, era natural que as conclusões extraídas do Sola Scriptura tivessem coerência e até mesmo uma impressionante unidade. Isso pode ser claramente observado nos símbolos de fé reformados, que são espelhos uns dos outros, pois todos têm uma única e absoluta referência: a Escritura.

    Apesar de muitos hoje se autodenominarem reformados — inclusive alcançando certo status nesse meio —, é necessário ter consciência de que vivemos após o Século das Luzes. Passamos pelo Iluminismo, pelo racionalismo de Kant e pela fragmentação da ideia de verdade. O que antes era rejeitado no contexto cristão passou a ser assimilado, e hoje a “verdade cultural” e as possibilidades de interpretação (influenciadas pela subjetividade do intérprete) ganharam peso semelhante ao da própria Escritura.

    Quantas práticas atuais em nossas igrejas não encontram qualquer sanção clara nas Escrituras? Quantas teologias foram construídas a partir de inferências geradas pelos próprios intérpretes? Há uma necessidade urgente de distinguir o que é claramente sancionado na Escritura daquilo que é apenas inferido a partir dela — distinção essa que faz toda a diferença nos resultados e nas aplicações.

    A premissa básica do Sola Scriptura é simples e clara: o que a Bíblia afirma claramente que pode ser feito, faremos; o que ela não afirma, não faremos. Isso é o que significa estar “claramente sancionado”. Porém, essa forma de pensar tem se perdido, pois inferências dos intérpretes têm sido incorporadas à prática da igreja — mesmo daquelas que se dizem reformadas. Essas deduções se baseiam em interpretações subjetivas da Escritura, e não na clareza do texto bíblico.

    A questão, então, é: se a premissa deixou de ser Sola Scriptura para incluir inferências como adendos, como é possível manter o título de “reformados”? Justamente as inferências foram combatidas pelos reformadores, e muitos deram suas vidas por uma ideologia pura e fiel à Escritura.

    Foram essas mesmas inferências que levaram a Igreja Católica Apostólica Romana a desenvolver a teologia que hoje sustenta. E nós, que carregamos o título de reformados, permitiremos que nossas igrejas caminhem na mesma direção?

Se somos reformados, sejamos também lógicos em nossas premissas. Somente a Escritura!

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